Por Roger Pereira
Oitavo maior exportador mundial de produtos de defesa nos anos 1980, o Brasil renegou a indústria militar nas últimas décadas e caiu para 60ª posição, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde). Mas o governo Jair Bolsonaro quer retomar essa vocação bélica e recolocar o país entre os 10 maiores exportadores de armas e produtos militares, num mercado que movimenta cerca de US$ 1,5 trilhão.
Segundo dados do Ministério da Defesa, o Brasil exportou, em 2019, US$ 1,3 bilhão da indústria militar, já superando o total exportado em 2018 (US$ 915 milhões – número que também corresponde à média anual da última década).
Para ajudar o país a materializar esse cenário, o Ministério da Defesa tem desenvolvido iniciativas como o Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (PAED) e o incentivo à Base Industrial de Defesa (BID), o conjunto das empresas estatais ou privadas que participam de uma ou mais etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos estratégicos de defesa. O objetivo é, no curto prazo, chegar a US$ 6 bilhões em material militar exportados por ano.
Gallo cita que, além da perda nas exportações, a indústria bélica brasileira ainda perdeu mercado interno, o que tornou mais difícil a retomada. “Por conta de um dispositivo constitucional, o Estado possui imunidade na compra internacional, ao passo que ao comprar de empresa brasileira as mesmas precisam recolher (ao menos alguns) impostos, reduzindo a competitividade e exportando empregos. Além disso, processos realizados no exterior são normalmente menos burocráticos que os realizados no Brasil. Como países em geral somente compram produtos de empresas cujos próprios governos são clientes, o primeiro passo para exportar é vender para o nosso próprio Brasil”, diz.
Indústria militar é vital para o desenvolvimento tecnológico
O presidente da Abimde, lembra, ainda, que o fomento à indústria militar é fundamental para o desenvolvimento tecnológico de um país, pois toda a base industrial busca a dualidade (uso militar e civil de seus produtos). “Forno de micro-ondas, celular, computador, internet e GPS são só alguns dos itens com origens na indústria de defesa. Pode-se dizer sem risco nenhum que o modo de vida moderno não existiria sem as tecnologias criadas por conta das necessidades militares. Esta capacidade de ser útil tanto para o uso de dia a dia civil como para o uso militar caracteriza as pesquisas de ponta em defesa e segurança”.
Segundo a Abimde, o Brasil tem potencial exportador de produtos de várias naturezas para Forças Armadas internacionais, a exemplo dos sistemas de comando e controle, sistemas de defesa cibernética, lançadores de misseis, munições, aviões, armas não-letais e reagentes químicos.
“Historicamente representam bons mercados para o Brasil aqueles países que estão estruturando as suas Forças Armadas e precisam de provedores com produtos relevantes, boa relação custo-benefício e que valorizem a posição relativamente neutra que o Brasil possui no Concerto das Nações. Neste sentido, as grandes campeãs nacionais, como Embraer e Avibrás, possuem soluções de defesa muito atrativas, como o cargueiro C-390 Millenium (antigo KC-390) e o Astros 2020. Ao mesmo tempo, empresas menores também ganham mercado já que a inventividade brasileira é bastante apreciada”, acrescenta Gallo.
Entrevista: Marcos Degaut, secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa
Gazeta do Povo: O presidente Jair Bolsonaro declarou, na viagem ao Oriente Médio, que o Brasil pretende voltar a ser um grande exportador de produtos de defesa. Como está a situação, hoje, da indústria de defesa brasileira e, especificamente, das exportações desta indústria?
Marcos Degaut: A Base Industrial de Defesa e Segurança do Brasil (BID) tem procurado se recuperar da falta de atenção a ela dispensada em anos recentes, não obstante esforços de revitalização empreendidos no âmbito do Ministério da Defesa (MD). De certa forma, ainda pesa sobre esse setor o estigma da desconfiança provocado por percepções preconceituosas e anacrônicas, além de grande desconhecimento sobre o tema. Entretanto, consciente das grandes potencialidades do setor, o governo do presidente Jair Bolsonaro tem conferido à BID a priorização e o apoio necessários. Sob a liderança do ministro Fernando Azevedo e Silva, o MD tem empreendido, por meio da Secretaria de Produtos de Defesa, ampla gama de programas, projetos e ações estratégicas que têm por escopo fomentar e fortalecer a BID, eliminar obstáculos de toda ordem que afetam sua competitividade e sustentabilidade, reduzir custos de transações, dinamizar o processo exportador, ampliar e simplificar mecanismos oficiais de financiamentos e garantias à disposição da BID, devidamente ajustados às características mercadológicas que lhe são peculiares e construir, com outros atores públicos e privados, nacionais ou estrangeiros, parcerias estratégicas que apoiem, técnica ou financeiramente, o desenvolvimento conjunto de projetos ou tecnologias de interesse de nosso país, dentre outras iniciativas.
Gazeta do Povo: Na década de 1980 o Brasil já era um grande exportador de material militar. Por que o Brasil perdeu mercado nos últimos anos? Como reconquistá-lo?
Marcos Degaut: De fato, até, aproximadamente, o final da década de 1980, o Brasil foi um grande exportador de produtos de defesa, sendo os nossos vizinhos sul-americanos, o Oriente Médio a África austral os mercados principais. Em virtude do descaso quase absoluto a que foi submetido o setor, os anos seguintes ao término da Guerra Fria registraram uma quase extinção da Base Industrial de Defesa e Segurança brasileira (BID), com a consequente perda de mercados tradicionais. Hoje, por meio de um planejamento estratégico coerente, consistente e integrado, o Ministério da Defesa e o setor privado – juntamente com outros atores relevantes, como a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE), o Sindicato Nacional das Indústrias de Materiais de Defesa (SIMDE), o Ministério das Relações Exteriores e a APEX-Brasil, dentre outros – têm atuado fortemente para criar um ecossistema de negócios conducente ao fortalecimento e desenvolvimento permanente de nossa BID, visando não apenas à reconquista daqueles mercados, mas à ocupação de novos espaços, à ampliação da inserção internacional de nossas empresas e à atração de investimentos”.
Gazeta do Povo: Que produtos brasileiros são, hoje, exportados pela indústria militar?
Marcos Degaut: Nossa BID é complexa, robusta e diversificada. Hoje exportamos desde aviões leves de combate a aeronaves de vigilância e sensoriamento remoto; de sistemas de artilharia e lançamento múltiplo de foguetes a sistemas de gestão e controle de tráfego aéreo; e de soluções complexas a sistemas críticos a equipamentos e tecnologias não-letais, dentre muitas outras capacidades estratégicas.
Gazeta do Povo: Quanto do produzido pela indústria militar brasileira é exportado e quanto é para consumo interno?
Marcos Degaut: De maneira geral, no que se refere a produtos controlados, cerca de 60% do que é produzido no país, hoje, é destinado a exportações. Neste ano, já alcançamos um recorde histórico ao registrar autorizações de exportações de produtos controlados de cerca de US$ 1,3 bilhão até o momento, contra menos de US$ 915 milhões registrado em 2018. Aliás, esse patamar de US$ 900 milhões corresponde à média anual da última década. Ou seja, temos avançado e eliminado gargalos, mas ainda estamos muito abaixo do potencial de exportação da nossa economia de defesa, potencial esse estimado, de maneira conservadora, em mais de US$ 6 bilhões no curto prazo. Isso significa não apenas a geração no Brasil de mais empregos e renda e a arrecadação de mais divisas, investimentos, royalties e tributos, mas também a disponibilidade de mais e melhores equipamentos para atender às necessidades de preparo e prontidão de nossas Forças Armadas.
Gazeta do Povo: Qual o papel da Embraer no desenvolvimento desta indústria? O novo avião KC-390 é uma das apostas?
Marcos Degaut: Sem dúvidas, a Embraer possui papel de destaque nesse contexto, produzindo e exportando não apenas o A29, considerada a melhor aeronave do mundo para missões de ataque leve, reconhecimento e contra-insurgência, mas também aeronaves de vigilância e sensoriamento remoto, além, é claro, da supermoderna aeronave multipropósito KC-390, lançada recentemente e que, temos confiança, se transformará em grande sucesso de vendas. Mais de trinta empresas estiveram, de alguma forma, envolvidas no desenvolvimento dessa aeronave, a qual também envolve, em sua cadeia produtiva, número bastante significativo de fornecedores locais.
Gazeta do Povo: Como a indústria de defesa contribui para o desenvolvimento tecnológico do país, mesmo na indústria comercial?
Marcos Degaut: A base industrial de defesa e segurança opera em ambiente dominado pela assimetria de informações e situado, necessariamente, na fronteira do conhecimento científico e tecnológico. Dessas duas características básicas derivam outras, tais como o caráter dual das inovações e aplicações, a necessidade de elevados investimentos em P&D, o longo prazo de maturação de projetos, que caminha lado a lado com a obsolescência tecnológica acelerada, e a necessidade de existência de contrapartidas comerciais, industriais e, sobretudo, tecnológicas, os chamados offsets, que sempre acompanham operações de exportação de produtos de defesa. Todos esses elementos fazem com que essa indústria funcione não apenas como indutora de saltos qualitativos no desenvolvimento tecnológico nacional, mas também como verdadeiro elemento de dinamização e de modernização da economia nacional. Por essas razões, não se pode negligenciar o fato de que aqueles países que almejaram tornar-se mais relevantes no concerto das nações promovem, sistematicamente, iniciativas para ampliar seu grau de autonomia tecnológica no tocante a produtos e sistemas e sistemas de defesa progressivamente mais sofisticados”.
FONTE: Gazeta do Povo
FOTOS: Ilustrativas