Decisão da Transpetro de cancelar encomenda dos estaleiros poderá ser a derrocada da atividade
O ex-presidente Lula queria que a bandeira brasileira tremulasse nas embarcações que fazem o transporte de petróleo e derivados. A ideia era reduzir a compra de navios no exterior e as despesas com aluguel. Com o reforço da frota marítima, o País ganharia com a revitalização de uma atividade demandante de mão de obra, tecnologia embarcada e perfil global. Idealizado em 2004, o Promef descentralizaria a construção naval no Brasil, permitindo a construção de novos estaleiros e a modernização do parque industrial existente (até então concentrado no Rio). A Transpetro – braço de transporte da Petrobras – seria a dona das encomendas e o BNDES financiaria as embarcações e as empresas. A iniciativa previa a contratação de 49 embarcações ao custo de R$ 11,2 bilhões a quatro estaleiros nacionais.
Controlado inicialmente pela Queiroz Galvão e a Camargo Corrêa, o Atlântico Sul foi a maior aposta do programa. As empresas investiram R$ 2,1 bilhões para erguer o empreendimento no Complexo de Suape e abocanham a maior parte da encomenda do Promef (22 navios). “Naquela época, o governo Federal se dispôs a criar um programa de construção de navios com preços e prazos irreais para o setor internacional. Foi uma decisão política e não de mercado. Faltou verificar as condições efetivas de infraestrutura, recursos humanos e tecnologia, além de estabelecer metas de desempenho para os estaleiros. Hoje, diante da crise financeira na Petrobras, não é mais possível manter contratos desvantajosos do ponto de vista empresarial por questões políticas”, avalia Floriano Pires Júnior, um dos maiores especialistas no setor naval no Brasil e professor da Coppe – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nas duas últimas semanas, a Transpetro cancelou a encomenda de 13 navios aos estaleiros Atlântico Sul (11) e Vard Promar (2), em Suape. No caso do Promar, a estatal alegou que a empresa não estava cumprindo cláusulas contratuais de prazo. Sobre o EAS, a companhia disse que não vai comentar, numa clara demonstração de falta de transparência com a sociedade e os milhares de desempregados nos estados atingidos. Os dois gaseiros do Promar estão orçados em R$ 300 milhões e a carteira do EAS em US$ 1,7 bilhão. Desde que foi lançado, o Promef só recebeu 12 navios (menos de um terço do pacote global) e tinha previsão de receber as últimas embarcações até o final de 2019.
“Permitir a quebradeira dos estaleiros é um estelionato. Essa derrocada da indústria será ainda maior do que a da década de 90. Naquela época 5 mil trabalhadores foram demitidos e os estaleiros foram sucateados. Muitos operários viraram camelô e os engenheiros taxistas e donos de locadoras de vídeo. Agora o desastre será maior porque a atividade chegou a ter 100 mil funcionários e virou parte da economia de cidades e regiões de Pernambuco, do Rio Grande do Sul e da Bahia. E não adianta colocar a culpa na Lava Jato porque o problema não foi apenas esse. A investigação colocou a Petrobras em crise, mas a desestruturação do Promef já existia. A política não estimulou os estaleiros a fazer o dever de casa. As empresas não são competitivas internacionalmente, mesmo após 10 anos da retomada, porque não se esvoaçaram em melhorar custos e reduzir prazo de construção”, analisa Floriano.
Na avaliação do especialista, a resolução do problema passa por um redimensionamento do programa, que precisa incluir Petrobras, estaleiros, BNDES, Fundo da Marinha Mercante, sócios internacionais das empresas, bancos internacionais e governos dos Estados. “Não adianta o governador de Pernambuco ter uma conversa institucional com o presidente da Petrobras, por exemplo, e reclamar os investimentos que fez. Como também não adianta as empresas procurarem a Justiça em busca de compensar suas perdas financeiras. Ter que existir uma ação conjunta para salvar o Promef e evitar o desastre iminente, porque a deterioração é rápida. Nos anos 1980, no intervalo de um ano o setor estava quebrado”, reforça.
O vice-presidente do Sinaval, Sérgio Bacci, diz que as conversas com a Transpetro tem sido constantes para evitar que o renascimento do setor fique pelo caminho. “O governo precisa manter os investimentos”, defende.
FONTE: Jornal do Commercio