Por Celso Amorim
Há exato meio século, na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1963, o chanceler João Augusto de Araújo Castro fazia em nome do Brasil um pronunciamento que se celebrizou de imediato. No “Discurso dos 3D”, como ficou conhecido, Araújo Castro delineou três diretrizes da atuação internacional do Brasil: desarmamento, descolonização e desenvolvimento. Era preciso, dizia ele, acabar com os imensos arsenais nucleares que ameaçavam a vida no planeta; pôr fim à dominação colonial das sociedades africanas e asiáticas; e criar condições para a aceleração do desenvolvimento econômico global.
Três décadas mais tarde, em 1993, as profundas transformações por que passava o mundo impunham uma nova abordagem daquelas diretrizes. O processo de descolonização se havia praticamente concluído. A Guerra Fria se esgotara, embora as potências nucleares seguissem apegadas a essas armas de destruição em massa. No Brasil e em toda a América do Sul, o autoritarismo fora superado e vivíamos uma nova era de liberdade. Na Assembleia Geral da ONU daquele ano tocou-me, como ministro do Exterior do governo Itamar Franco, falar pelo Brasil. Parafraseando Araújo Castro, afirmei que os 3D referiam-se, agora, a democracia, desenvolvimento e desarmamento. A democracia tornara-se o dado mais elementar de nossa presença no mundo. E o desenvolvimento constituía nosso grande desafio.
Os 3D me voltam à lembrança neste fim de 2013 pelo significado especial do último dia 18 de dezembro, quando o Congresso Nacional restituiu simbolicamente o mandato do presidente João Goulart e a presidente Dilma Rousseff anunciou a decisão sobre a compra das novas aeronaves de caça da Força Aérea Brasileira. Tomando a liberdade de revisitar ainda uma vez a tríade proposta por Araújo Castro, diria que, nessa data, o Brasil deu passos históricos rumo a uma agenda de democracia, desenvolvimento e defesa.
Como afirmou a presidente Dilma no discurso de fim de ano que fez no dia 18, durante almoço que lhe ofereceram os oficiais-generais de nossas Forças Armadas, defesa e democracia formam um círculo virtuoso. Temos verificado isso pelo crescente interesse da sociedade brasileira pelos assuntos relativos à proteção da soberania nacional, estimulado por medidas pioneiras de transparência como o Livro Branco de Defesa Nacional, lançado em 2012.
Uma ilustração viva desse círculo virtuoso foi oferecida no próprio dia 18, quando nos reencontramos na cerimônia no Congresso Nacional. Estavam presentes os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, atendendo a um convite meu. Os discursos feitos caracterizaram-se pelo tom de conciliação e de virada de página. Poucos dias após o funeral de Nelson Mandela, nos fortalecíamos novamente com sua lição de vida. Na normalidade com que transcorreu, a sessão no Congresso foi um grande momento para nossa democracia.
Celebramos também, no dia 18, a escolha do caça sueco Gripen NG como novo vetor de defesa aérea do Brasil. A decisão entre os três finalistas do Projeto FX-2 foi orientada pela análise do melhor equilíbrio entre desempenho, transferência efetiva de tecnologia e custos de aquisição e manutenção.
Não estamos meramente comprando novos aviões. Estabelecemos uma parceria estratégica com a Suécia para dar um salto na já elevada capacitação de nossa indústria aeronáutica e para participar da construção de uma aeronave que levará o selo de produto brasileiro. O Gripen representa a mais avançada tecnologia existente em sistemas de defesa, e, ao cabo de sua fabricação, teremos conhecimento para projetar caças de quinta geração. O Projeto FX-2 segue à risca o preceito da Estratégia Nacional de Defesa: defesa é inseparável de desenvolvimento.
Acima de tudo, a decisão dos caças aprofundou o compromisso do Estado brasileiro e do governo Dilma Rousseff com Forças Armadas modernas, integradas e aprestadas. Nas palavras da presidente Dilma em seu discurso de fim de ano, o Brasil é um país pacífico, mas não será um país indefeso. Ao contrário do que sugeriram alguns, o fim da Guerra Fria não significou a superação do conflito entre Estados. Ao lado de novas ameaças, como o crime organizado ou a pirataria, velhas ameaças, como os arsenais nucleares e as agressões armadas unilaterais, continuam a configurar um panorama global turbulento e imprevisível.
No mar, em terra e no ar, o Brasil tem que estar pronto para dissuadir ameaças ou agressões provenientes de qualquer quadrante do globo. Daí a importância dos investimentos que temos feito em novos submarinos, navios patrulha, veículos blindados, sistemas de monitoramento de fronteiras, aviões de transporte e, agora, nos caças, entre muitos outros.
Os 3D de Araújo Castro sintetizaram a Política Externa Independente de sua época. Hoje sabemos que um Brasil democrático, em desenvolvimento e independente no mundo deve ter o respaldo de uma defesa robusta, indispensável a uma grande estratégia de paz.