Por Pedro Paulo da Silva
AS CORVETAS DA CLASSE TAMANDARÉ
A Corveta Tamandaré surgiu como a grande oportunidade de implantação de um novo ciclo. Fatores fundamentais se somaram: um bom projeto nacional; vontade política; e dinheiro disponível.
Poderia ter sido assim:
– A Emgepron capitalizada contrataria uma SPE, admitida à participação estrangeira, mas com obrigatória presença de estaleiro nacional, para construir a Corveta Tamandaré, utilizando as instalações físicas do Arsenal, arrendadas e modernizadas pela SPE, conforme necessário, de modo a preparar uma nova infraestrutura de construção e manutenção, pronta para ser o núcleo absorvedor e irradiador do conhecimento aos demais setores da indústria naval militar.
– Vai sair mais caro. Vai demorar mais. Mas vai permitir construir as bases para uma retomada segura e capaz de realmente transformar nosso poder naval.
– Haveria o risco dos estaleiros estrangeiros não quererem contribuir para criar um concorrente e não aceitarem assessorar a construção do projeto nacional. Neste caso, teríamos que empreitar sozinhos. É claro que poderíamos chegar lá. Há técnicos experientes e ainda disponíveis que poderão ser arregimentados ainda a tempo de ajudar e repassar conhecimento aos mais novos.
– O custo e o tempo inicial talvez fossem ainda maiores, mas “INDEPENDÊNCIA NÃO TEM PREÇO”.
– O Sistema de Combate seria obrigatoriamente baseado no SICONTA, admitida parceria com estrangeiro. O sistema de combate é quem transforma uma plataforma em um navio de guerra. É o cérebro do navio. A Marinha investiu durante cerca de 30 anos e deve ter gasto centenas de milhares de Reais para ter o seu SICONTA. Nada pode justificar abandonar esta conquista e voltar a ter que se submeter a licenças de uso de sistemas fabricados no exterior. A CCT seria oportunidade ideal para que o SICONTA fosse evoluído, sem problemas, ao nível funcional dos demais estrangeiros.
– Os sensores e armas seriam contratados naqueles que se dispusessem a desenvolver parcerias para produção e manutenção no Brasil. Teriam prioridade aqueles que se dispusessem a fazer estas parcerias com os que conduzem nossos projetos de desenvolvimento de radares, sonares, mísseis, e despistadores.
Mas aconteceu o seguinte:
A Plataforma da CCT:
O RFP abriu mão da solução nacional e admitiu que estaleiros estrangeiros ofertassem o NAPIP (Navio de Propriedade Intelectual da Proponente) desde que fosse embarcação já testada e em operação. Isto significaria que o conjunto plataforma/sistema de combate fosse semelhante ao projetado para CCT, e obrigatoriamente provado no mar. Qualquer combinação plataforma/sistema que não existisse navegando poderia não ser considerada um NAPIP. Exceções foram admitidas, incluindo a CCT da Marinha, e configurações diferentes dos sistemas de combate, tal como ficou demonstrado nas escolhas da Marinha para a chamada short list.
– Quatro consórcios, formados por estaleiros estrangeiros, foram pré-selecionados. Três deles (DCNS, DAMEN e TKMS) ofertaram construir no Brasil navios cujos projetos são de suas propriedades intelectuais. Ainda não está claro se isso se refere somente às quatro Tamandaré, a serem agora contratadas, ou se serão cobrados royalties pela utilização do mesmo projeto para mais navios.
– Um só consórcio (FINCANTIERE) ofertou construir o projeto CCT da Marinha não comprovado no mar. Mas há uma particularidade: o estaleiro parceiro no Brasil (Vard Promar de Pernambuco) é de propriedade da própria Fincantiere e foi quem fez a revisão e preparação do Projeto Básico por contrato com o CPN da Marinha. Noticiário recente indica que o estaleiro vai demitir e que estas demissões poderiam ser evitadas com políticas federais que evitassem a redução do conteúdo local na frota nacional ou liberassem recursos para a renovação da frota da Marinha. Concluiu um Diretor do estaleiro que a maior esperança do Vard Promar está no certame que vai licitar a construção de quatro corvetas para a Marinha. Parece que este filme já passou.
– TKMS apresentou o estaleiro Oceana, em Itajaí. Noticiário recente do SINAVAL informa que o grupo (CBO) aguarda o resultado da concorrência da Marinha para construção de quatro corvetas da classe Tamandaré. A CBO é parceira do consórcio Águas Azuis. Em caso de êxito, o estaleiro (Oceana) que não integra a composição do consórcio em si, seria um parceiro para fornecimento das instalações e da mão de obra para construção dos navios.
Posteriormente a TKMS indicou o estaleiro Aliança, na Baia de Guanabara, como local para a construção da CCT. O Aliança está nas instalações do antigo estaleiro EBIN. Recentemente, em outubro de 2018, o noticiário especializado divulgava o próximo encerramento das atividades do Aliança. A CBO utilizava o Aliança em atividades de manutenção, treinamento e gestão de tripulações, engenharia e suprimentos. Parece que este filme também já passou.
– DAMEN apresentou o seu tradicional parceiro, o Wilson & Sons em Guarujá, fora do Rio de Janeiro. É estaleiro bem montado, de bem com suas obrigações, mas talvez de porte pequeno para projeto tão grande. Nunca construiu navio de guerra. Este filme também já foi visto.
– DCNS apresentou o estaleiro Enseada, na Bahia, provavelmente devido à parceria que já tem com a Odebrecht no PROSUB. Muitos problemas com este estaleiro vinham sendo rotineiramente noticiados e são tão flagrantes que não é necessário destacar. Noticiário recente indicava que os 35 funcionários lotados no estaleiro cuidam da manutenção dos equipamentos na planta industrial, situada às margens do Rio Paraguaçu. De novo o mesmo filme.
Dilema quanto à Plataforma:
– Será que vale a pena a Marinha não construir a Corveta de sua própria propriedade intelectual?
– Quanto a Marinha vai gastar para receber tecnologia e bem fiscalizar a execução de contrato tão complexo fora do Rio de Janeiro? E se o primeiro navio for construído no estaleiro estrangeiro?
O Sistema de Comando e Controle e Direção de Armas
Os quatro concorrentes estão ofertando sistemas de suas propriedades intelectuais. Os conjuntos plataforma/sistema apresentados não são, na sua totalidade, testados no mar. Será necessário flexibilizar.
– FINCANTIERE:
Oferece sistema desenvolvido pela LEONARDO. É provável que não transfira a propriedade à Marinha e que coloque limitações à abertura do software, tal qual qualquer estrangeiro, a não ser quando oferecem produtos ultrapassados.
Apresenta como parceira nacional a Fundação Ezute que não tem experiência em sistemas navais. Além disso, é fato público, que a Ezute resultou do processo de cisão da então Fundação Atech, e que, conforme então noticiado, esta cisão se deu quando o Ministério Público do Estado de São Paulo determinou que as atividades econômicas da Fundação fossem segregadas das atividades sociais. Assim, a Atech S/A herdaria todos os trabalhos de sistemas de defesa, ficando a Fundação com atividades de cunho social.
– DAMEN:
Oferece o sistema desenvolvido pela SAAB. Também não deve transferir a propriedade e também deve colocar limitações à abertura do software, tal como normalmente (e compreensivelmente) fazem os estrangeiros.
Apresenta como parceira a CONSUB, empresa que conhece tudo do SICONTA, sistema de propriedade da Marinha, que investiu anos e milhares de Reais para tê-lo operando integradamente, inclusive à plataforma.
– NAVAL GROUP:
Oferece sistema de sua propriedade. A exemplo do que aconteceu no PROSUB, não deverá haver transferência de propriedade e o código fonte, da mesma forma, talvez possa ser aberto com exceções impostas exatamente àqueles módulos mais estrategicamente importantes.
Apresenta como parceira a Mectron, empresa que foi comprada pela Odebrecht e que repassou todos os principais projetos, então em execução, para outras empresas. Está praticamente desmobilizada e nunca trabalhou com sistemas de comando e controle.
– TKMS:
Oferece sistema da ATLAS, empresa do mesmo grupo e que também não deverá dar a propriedade e a abertura pedidas pela Marinha, em função de seus compromissos com Governo e Marinha da Alemanha.
Apresenta como parceira a Atech S/A empresa que pertence à EMBRAER que está sendo vendida para a Boeing. A Atech S/A tem experiência em sistemas de controle de tráfego aéreo e de defesa aérea, este destinado ao controle das aeronaves da FAB em ações de circulação e de interceptação. Nunca trabalhou em sistemas navais nem com sistemas de controle e direção de armas, principalmente os embarcados em navios de guerra que atendem às reações com mísseis, torpedos e canhões.
Dilema quanto ao Sistema de Comando e Controle:
– Será que vale a pena a Marinha abrir mão de usar, no novo navio a ser escolhido, o SICONTA de sua propriedade, que pode ser evoluído, sem maiores problemas, e no qual investiu tanto tempo e dinheiro?
– Será que a Marinha vai dispensar a presença da CONSUB na preparação e na integração do sistema de comando e controle e de direção de armas da CCT independentemente de quem for o proponente escolhido?
– A Marinha tem a propriedade intelectual do SICONTA e pode dispor dele como quiser.
SOLUÇÃO:
Há que definir uma solução para os dilemas e, para isso, a Marinha deixou o caminho pavimentado. A partir do que for proposto ela poderá sopesar as alternativas estrangeiras com a possibilidade nacionalista desejada há muito tempo, considerando que:
– Ainda bem que o RFP dá à Marinha o direito de alterar tudo e como quiser.
– Ainda bem que todos os concorrentes aceitaram formalmente que a Marinha poderá alterar tudo e como quiser.
– Ainda bem que o processo de escolha ainda está em fase que permite à Marinha alterá-lo como quiser antes mesmo das propostas finais serem apresentadas.
– Ainda bem que temos capacitação técnica nacional bem maior do que possamos imaginar.
– Ainda bem que ainda há tempo de realizar um projeto realmente nacional e vantajoso para a base industrial de defesa e para obtenção de um Poder Naval com independência.