Executivos da fabricante americana circularam ontem por Brasília e Rio para tentar acelerar operação; entre sinalizações estão a garantia de autonomia da Embraer em projeto de caças com a Saab e a criação de um polo de produção de componentes no País
Por Eliane Cantanhêde e Fernando Nakagawa
Os esclarecimentos tentam captar o apoio do governo e diminuir preventivamente a resistência que poderá surgir nos setores políticos, na opinião pública e eventualmente no Judiciário, num momento em que o Palácio do Planalto e área econômica já enfrentam batalhas pela reforma da Previdência e pela pulverização das ações da Eletrobrás – que o governo se recusa a chamar de privatização.
A intenção da Boeing é acelerar conversas, principalmente nos ministérios da Defesa e da Fazenda e no BNDES, para evitar que as negociações se estendam até o início oficial da campanha eleitoral. A empresa americana não quer virar alvo dos palanques, para não reavivar o imbróglio do FX-2, programa de renovação dos caças da FAB vencido pela sueca Saab em detrimento da Boeing e da francesa Dassault.
Nesta quinta-feira, 25, a presidente da Boeing para a América Latina, Donna Hrinak, ex-embaixadora dos EUA no Brasil, circulou por Brasília, enquanto quatro representantes da empresa faziam reuniões no BNDES, no Rio, para esclarecer que serão protegidos interesses do Brasil em temas como a transferência de tecnologia na parceria Saab-Embraer para produção dos caça Gripen no Brasil, alvo de questionamento dos parceiros suecos (leia mais abaixo).
A mensagem é que a Boeing concorda com a blindagem do projeto Gripen, que permaneceria autônomo mesmo com eventual negócio entre as duas empresas. Um dos argumentos para a autonomia do projeto Gripen é que Boeing e Saab têm parceria desde 2013, nos EUA, no desenvolvimento e fabricação do T-X – avião para treinos militares – e que o projeto não gerou conflito entre as empresas.
A empresa também sinalizou que aceita manter o poder de veto do governo brasileiro – por meio da chamada golden share – sobre o futuro dos negócios da empresa brasileira. Não está totalmente claro em que termos, já que o desenho do negócio entre Embraer e Boeing ainda está no início e nem chegou à cúpula política do governo.
Peças. Para angariar apoio às negociações, houve indicação de que, se a transação for fechada, o Brasil poderá ser o quarto polo de produção de componentes da Boeing, ao lado de Austrália, Canadá e Reino Unido. A inclusão do Brasil abriria horizontes para a indústria aeroespacial brasileira, que atualmente passa pela conclusão de três ciclos: desenvolvimento do KC-390 na área de defesa, lançamento da segunda família de jatos de médio porte E-Jets e maturidade da linha de jatos executivos Legacy.
Os americanos defendem que engenheiros e técnicos que trabalham nesses projetos poderiam atuar em projetos da Boeing – que, segundo fontes, tem enfrentado envelhecimento do corpo técnico.
Procurada, a Boeing não respondeu até o fechamento da edição. A Embraer não se pronunciou. A Saab não comentou as negociações, mas a assessoria frisou que a empresa não tem intenção de cancelar qualquer cooperação com o Brasil.
Pontos em debate
Poder de veto – O governo brasileiro tem hoje uma ‘golden share’, tipo de ação que permite o poder de veto em certas de decisões da companhia; a Boeing está oferecendo a manutenção desse poder, em especial no que se refere ao segmento de defesa.
Polo de componentes – Atualmente, a Boeing tem três polos de componentes fora dos EUA – na Austrália, no Reino Unido e no Canadá. O Brasil se tornaria o quarto centro de produção de peças para a americana; engenheiros brasileiros poderiam começar a participar de projetos globais da Boeing.
Acordo com a Saab – O acordo de produção de caças com a Saab continuaria a correr em paralelo ao negócio com a Boeing; a sueca, que venceu a concorrência para renovar a frota da defesa brasileira, comprometeu-se com a transferência de tecnologia para o Brasil.
FONTE: Estado de SP