Acordo entre a Boeing e a Embraer ainda gera questionamentos

Por Rodrigo Carro

Às vésperas da assembleia de acionistas que vai deliberar sobre a venda da divisão de aviação comercial da Embraer para a Boeing, no dia 26, a operação ainda suscita questionamentos. A forma como a transação foi estruturada divide opiniões tanto entre acionistas minoritários da companhia brasileira como entre especialistas em direito empresarial e governança corporativa. A maior parte dos questionamentos está relacionada a possíveis violações dos direitos dos minoritários da Embraer, dentro do processo em curso de constituição de uma joint venture com a Boeing.



O negócio foi fechado no mês passado, mas a criação da nova empresa ainda depende da aprovação de acionistas em Assembleia Geral Extraordinária (AGE) e de aprovação por autoridades regulatórias internacionais.

Ex-presidente do conselho de administração da Embraer, o advogado Carlos Leoni Siqueira classifica o modelo anunciado, que prevê o desmembramento da unidade de aviação comercial da Embraer e a subsequente venda do controle (80%) da empresa resultante à Boeing, como “uma afronta aos acionistas”. Na estrutura escolhida para a operação, cada acionista atual da Embraer permanece com as ações que já detém na companhia brasileira. Só que os papéis representarão participação na Embraer remanescente, empresa que terá como ativos as divisões de defesa e jatos executivos, além de fatia de 20% no capital da NewCo, nome provisório da joint venture entre as duas. A aviação comercial, “joiada coroa” da Embraer, ficaria com a NewCo.



“O retorno dos acionistas que ficaram dentro da Embraer remanescente vai diminuir”, sustenta Siqueira, especialista em governança corporativa, com base no argumento de que a divisão de aviação comercial, a ser absorvida pela NewCo, é a “única constantemente lucrativa”. Na visão dele, o acionista está sendo forçado a permanecer dentro de uma companhia (a Embraer remanescente), quando deveria ter direito de sair.

“É uma forma criativa de burlar o estatuto [da Embraer]”, fustiga o minoritário Renato Chaves, ex-diretor de Participações da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. “É uma compra de controle disfarçada de parceria estratégica”. Pelo estatuto social da Embraer, a alienação do controle da companhia implica na obrigação de o adquirente fazer uma oferta pública para comprar as demais ações dos outros acionistas.



A Embraer, por sua vez, vem argumentando que não se trata de aquisição de controle pela Boeing. “Da combinação de negócios pretendida não resultará qualquer alteração na estrutura acionária da Embraer,razão pela qual, conforme conclusão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no presente caso, é impertinente e inaplicável o dispositivo estatutário que trata da Oferta Pública de Aquisição (OPA)”, disse a Embraer em nota.

“A operação, conforme foi construída, chama atenção”, diz Walfrido Warde Júnior, fundador do escritório Warde Advogados. “Há necessidade de se ter certeza de que não há frustração dos direitos dos minoritários na operação”, acrescenta o especialista em direito societário, para quem os minoritários e a CVM devem estar atentos aos detalhes da operação.



A Boeing vai desembolsar aproximadamente US$ 4,2 bilhões para ficar com 80% da nova companhia, avaliada em US$5,26 bilhões. O lucro estimado da operação seria de US$ 3 bilhões, montante correspondente à diferença entre o preço de venda da fatia de 80% e o seu respectivo custo contábil (o custo original de um investimento). Sobre esse lucro, incidiriam Imposto de Renda e PIS/Cofins, o que significaria uma“mordida ”tributária de 34%, explica Carlos Siqueira. O ex-presidente do conselho de administração da Embraer defende uma estrutura que, na visão dele, daria “mais eficiência tributária à operação”: a permuta de ações da Embraer pelas da NewCo e a subsequente venda direta dos papéis pelos acionistas à Boeing. Dessa forma, a carga tributária incidente seria mais baixa, justifica Siqueira.

“Ninguém está querendo impedir a operação. É boa para a Embraer e boa para a Boeing”, acrescenta. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Embraer frisou em nota que “a estrutura final foi escolhida por oferecer maior segurança jurídica para aspartes envolvidas”.



Segundo a empresa, “trata-se de estrutura usualmente adotada no mercado, especialmente em situações que envolvem a segregação de negócios com elevada complexidade operacional, como é o caso da unidade de aviação comercial”.

Parecer divulgado na semana passada pela Institutional Shareholder Services (ISS), consultoria independente na área de governança corporativa, recomendou a aprovação da transação pelos acionistas por considerar que a Embraer forneceu “justificativa estratégica sólida”. Fonte próxima à Embraer que pediu para não ter seu nome revelado esclarece que, numa eventual permuta de ações, ficaria muito difícil assegurar que a empresa resultante da joint venture teria exatamente 80% do seu capital em mãos da Boeing e 20% coma Embraer remanescente.

Uma maneira de garantir esse arranjo societário seria uma permuta que incluísse uma condicionante de venda forçada. Nesse modelo, o acionista trocaria papéis da Embraer pelos da NewCo já com a obrigação de vendê-los à Boeing. “Existe muito pouca base jurídica para uma operação do gênero”, descarta a fonte, para depois frisar os riscos regulatórios e tributários embutidos nessa opção. Para efetuar a permuta, seria necessário listar na bolsa de valores ações da NewCo que depois seriam recompradas e “deslitadas”, uma vez que a empresa não teria capital aberto.



Caso a joint venture venha a se concretizar, os acionistas da Embraer vão receber US$ 1,6 bilhão em dividendos extraordinários. O valor é muito superior à média histórica da Embraer de US$ 250 milhões em dividendos distribuídos ao ano. Uma vez concluída, a operação resultaria num reforço de caixa de US$ 1 bilhão para a empresa remanescente.

“As empresas optaram por um modelo mais conservador [em termos tributários]”, analisa o advogado Aílton Soares de Oliveira. Ainda assim, o especialista em direito empresarial diz ter estranhado o formato da operação: “Não é comum”, diz Oliveira. “É mais custoso, mas não menos arriscado do ponto de vista societário.”

No acumulado dos três primeiros trimestres de 2018, a Embraer apresentou prejuízo líquido ajustado de R$ 194,8 milhões. “O mercado está apreensivo com a situação”, resume Matheus Amaral, analista da Toro Investimentos. “No sentido financeiro, [a joint venture] dá um certo alívio para a Embraer mas no sentido do protagonismo gerencial o mercado não sabe o que esperar[da Embraer remanescente]”, conclui o analista, numa alusão ao fato de que a empresa brasileira não terá voz ativa no conselho da NewCo.

FONTE: Valor Econômico



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