Abaixo uma pequena história do que foi a participação do 1º Grupo de Aviação de Caça na Itália.
O DUELO
por Joaquim Domingues
O dia amanheceu calmo e como não havia missões programadas para aquela manhã, um silêncio atípico pairava sobre a Base Aérea de Pisa. A bandeira brasileira tremulava contínua e lentamente em seu mastro. A incomum quietude prenunciava a iminência do final da guerra.
O marasmo, porém, foi quebrado com o silvo crescente de motores chegando forte e baixo. UOFFFF…dois Mustangs P-51D passam rasante sobre o campo e bem no meio da interseção das pistas puxam um subida vertiginosa, asa com asa e fecham um looping perfeito. O mergulho termina em cima da torre de controle, cujos operadores abaixam a cabeça instintivamente. O desafio está lançado. Os Mustangs aguardam.
No pátio de operações do 350th FG da USAAF inicia-se uma atividade febril para colocar em voo dois P-47, enquanto os desafiantes giram em círculos. Alguns minutos depois, os Thunderbolts – lisos – com as asas despojadas de cabides e tanques, decolam para o duelo com seus pilotos “babando” nos comandos.
O ronco dos motores e as passagens vertiginosas low pass acabam por chamar a atenção de toda a base, inclusive do lado brasileiro, onde o pessoal se acomoda para assistir ao show.
Os quatro caças se engalfinham numa sequência alucinante de manobras, bem ao gosto dos pilotos P-51 que sabem ter vantagens. Apesar dos esforços e perícia demonstrada, os P-47 são “abatidos” para deleite dos atrevidos Mustangs. Preparando-se para despedir-se e retornar à sua base, os aviões “vitoriosos” percebem bem na sua vertical um terceiro Thunderbolt decolando. Opa, aí vem mais um!
Aquele mais um, no entanto, tinha a cauda pintada de verde e amarelo. Um jambock do Senta a Púa. Seu piloto, o Tenente Roberto Tormim Costa, decolava para um voo de teste. Mas, será mesmo que aquele voo era apenas para testes?
Os Mustangs partiram pra cima daquele Thunderbolt para “fazê-lo em pedaços”. Pilotando por instinto, sem perder de vista um segundo os “atacantes”, atento aos retrovisores, Tormin subiu rápido deixando os americanos chegarem bem perto, com o excesso de confiança transbordando pelos poros. Em manobra muito rápida e violenta, pé pressionando sem dó o pedal esquerdo e manche quebrado no limite máximo, desacelerou o motor num estalar de compressor. Pelo canto do olho, mais sentindo do que vendo, deixou as duas manchas passarem zunindo pouco abaixo e à sua direita.
Célere, inverteu toda a sequência anterior e enquadrou um daqueles aviões prateados de asas quadradas e nervosas. O atônito ianque move a cabeça, balança as asas procurando o P-47 verde e amarelo, mas quando levanta os olhos, vê seu retrovisor lotado com a imagem do motorzão do Thunderbolt grudado na sua bunda. “Uma rajada” das oito pt.50 manda-o para o chuveiro antes do jogo terminar.
Claro que o seu amigo ianque não ficou nada feliz e a coisa esquentou ainda mais para o Tormin. O 51 acelerou e entrou num apertado arco, com uma asa no céu e outra apontada pra terra, visando surpreender o brasileiro pela cauda. Calculou que o pesado 47 não conseguiria acompanhá-lo. Calculou errado. Tormin se antecipou à manobra do Mustang e aproveitou a energia do Thunderbolt que vinha em alta velocidade. Entrou junto no apertado arco e colou na cauda do americano que, achando ser o suficiente, acabou desistindo. Os dois caças, então, emendaram um immelmann e, juntos, vieram para o pouso.
Na sala de operações do 1º GAvCA os “americanos inimigos”, veteranos de incursões sobre a Alemanha, congratularam Tormim pela grande exibição e “vitória”. Outros pilotos do 350th apareceram e a coisa terminou em festa, com muitos brindes sendo levantados em homenagem aos aviões, cujos motores esfriavam lá fora.
Agradecimento ao Roberto Celegatti que autorizou a publicação da sua linda aviation art, alusivo ao duelo do Tormim.
O Tenente Aviador Roberto Tormim Costa voou 66 missões de combate na 2ª Guerra Mundial. Sobreviveu e retornou ao Brasil assumindo o comando de instrução da aviação de caça. No dia 29/abril/1946, durante um voo de treinamento e no ápice de um looping, colidiu com seu piloto-ala. Os dois aviadores morreram no abraço fatal dos T-6. Tormin tinha 21 anos de idade. Teria feito uma belíssima carreira na FAB.
FONTE: Contos do Céu via Facebook