Por Leonardo Dutra
A atuação e o preparo das Forças Armadas no continente Europeu são delimitados por dois grandes períodos nas últimas décadas. Primeiramente, pela estabilidade estratégica provida pela certeza da existência de um inimigo a combater durante a Guerra Fria. E em segundo lugar, pela incerteza a respeito do espaço internacional em constante processo de mudança desde a década de 1990.
Neste contexto, merece atenção o esforço das Forças Armadas do Reino Unido em buscar antecipar tendências. Em última análise, demonstrando uma elevada capacidade de planejamento, preparo e adaptabilidade frente ao espaço internacional.
Após uma longa e problemática operação militar no Afeganistão, o governo britânico demonstra ter aprendido com os próprios erros.
Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, o Reino Unido juntamente com os Estados Unidos e outros países implantaram uma operação no Estado Afegão. No entanto, os britânicos subestimaram o campo de atuação de suas Forças Armadas. Descobriram que possuíam equipamentos insuficientes e defasados para deflagrar os objetivos da operação. Desde a perspectiva britânica, pagaram este equívoco com a vida de mais de 450 militares e civis oriundos do Reino Unido no conflito.
Em que pese elementos como a artificialidade da ligação entre os ataques de 11/09 e a guerra do Afeganistão possam ser amplamente discutidos. Bem como, possam ser questionadas a legalidade e a legitimidade desta guerra. Ou ainda, embora possam ser largamente debatidos os resultados efetivos desta operação, a guerra efetivamente aconteceu. Envolvendo civis e militares em um conflito que modificou os rumos da estratégia das Forças Armadas britânicas.
Tais modificações são assinaladas pelo planejamento e aplicação de conhecimentos para o desenvolvimento das Forças Armadas daquele país após estes episódios.
Neste contexto, merece destaque a clareza dos documentos produzidos pelo Ministério da Defesa (MoD) do Reino Unido. Um dos principais documentos, a Estratégia Nacional de Defesa (A Strong Britain in an Age of Uncertainty), deixa claro os objetivos das Forças Armadas: ações de contraterrorismo, operações contra agressões cibernéticas, estabilização de crises militares, e atuação em situações de desastres naturais no país (inundações).
A lucidez apresentada nestes documentos sobre o papel do MoD britânico é igualmente replicada em diversos outras publicações, a exemplo da Doutrina Conjunta das Forças Armadas (UK Defense Doctrine) e do Documento de Tendências para os Espaço Internacional em 2045 (Global Strategic Trends – out to 2045).
Nesta última publicação (Global Strategic Trends), o Centro de Conceitos e Doutrinas do MoD apresenta um minucioso desenho do espaço internacional em 2045, bem como, orienta as Forças Armadas britânicas para atuação neste ambiente hipotético.
O documento chama atenção para a mudança das características do combate nos próximos 30 anos. As guerras não serão travadas somente por homens e mulheres. As máquinas (não tripuladas) tendem a ocupar um espaço cada vez maior nos combates. Neste ambiente, a dúvida do MoD reside na problemática da tomada de decisão em combate.
Pois enquanto os governos ocidentais tendem a manter o processo de decisão em combate sob responsabilidade humana, organizações criminais e terroristas podem delegar parte do processo de decisão na guerra para as máquinas.
Correndo o risco de parecer irreal para alguns, porém, figurando como uma importante ferramenta para o preparo das Forças Armadas britânicas, o documento ainda aponta a problemática da escassez de água potável e outros recursos naturais até 2045.
Neste ambiente, embora o continente africano possa lograr um grande desenvolvimento econômico nos próximos anos, a falta de recursos naturais deve marcar a região com contínuos conflitos no mesmo período.
Entre outros pontos, a publicação também sugere a possibilidade de alteração da atual caracterização do Estado: um número significativo de pessoas tenderá a não mais devotar lealdade ao seu Estado de origem em 2045. A fidelidade destas pessoas poderá estar relacionada a grupos virtuais sobre assuntos específicos ou a corporações não estatais.
Ainda, o Oriente Médio e o norte da África possivelmente continuarão em ebulição em 2045, e igualmente, segundo o documento, China e EUA disputarão um delicado jogo de interesses no espaço internacional: China deve ser economicamente mais forte neste espaço e os EUA militarmente mais robusto.
As incertezas do espaço internacional e as necessidades de atuação das Forças Armadas no século XXI exigem um esforço de inteligência e preparo cognitivo por parte dos envolvidos nas atividades de segurança e defesa.
Neste contexto, o Reino Unido fornece exemplos de preparação e clareza do papel de suas instituições militares diante da sociedade. E ainda, diante do incerto, tende a estar mais bem preparado para as atividades de contingência no enredado século XXI.
Mais informações (documentos oficiais do MoD Britânico):
Tendências Globais para 2045:
http://www.globalsecurity.org/military/library/report/2014/global-strategic-trends-2045_uk-mod.pdf
Estratégia Nacional de Defesa Britânica:
https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/61936/national-security-strategy.pdf
Doutrina Conjunta das Forças Armadas Britânica:
https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/389755/20141208-JDP_0_01_Ed_5_UK_Defence_Doctrine.pdf