Durante as negociações difíceis e complexas do Prosub com os franceses, a Marinha do Brasil(MB), percebeu que o limite na Transferência de Tecnologia (ToT) oferecida para os sistemas de armas e gerenciamento de plataforma estaria na capacidade de fazer manutenção.
Muito embora essa capacidade seja essencial para assegurar a confiabilidade dos sistemas fornecidos, estava muito longe da autonomia que a Marinha pretendia para o seu primeiro submarino com propulsão nuclear (SN-BR), e o fantasma de um improvável, mas possível embargo ou restrição ao seu emprego gerou a ideia de um “Plano B”.
Assim como a ideia de Barroso de usar as proas reforçadas de nossos navios para abalroar as naves inimigas foi uma improvisação, mas prevista na construção dos mesmos, o Programa Esporão pretende apresentar à MB uma solução alternativa para o evento improvável descrito, no caso do primeiro submarino de propulsão nuclear, e uma solução definitiva, longe de embargos e end users para os outros submarinos de propulsão nuclear que viermos a construir. Além disso, como aprendemos com os próprios franceses, no desenvolvimento do motor-foguete para a recertificação do Exocet, a ToT só acontece quando tentamos fazer algo por nós mesmos.
Um dos princípios da guerra que nos ensinam na escola de Guerra Naval (EGN) é a “exploração do êxito”. O que tentamos foi explorar o aparente êxito do modelo de gerenciamento implementado no desenvolvimento do motor-foguete para a recertificação dos nossos mísseis antinavio. Simplificadamente este modelo consiste numa gerência dentro da Diretoria de Sistemas de Armas da Marinha (DSAM), mas fora de sua estrutura organizacional, bastante enxuta, com oficiais da reserva contratados pela Emgepron, que definem, dentro das boas práticas do gerenciamento de projeto, o seu triângulo de ferro, ou seja, o “objeto”, o “custo” e o “prazo”. Segue-se uma WBS (Work Breaking Struture) em nível elevado que permita identificar uma ou mais empresas brasileiras com as quais possa ser celebrado um contrato de desenvolvimento.
Neste artigo não entraremos nos detalhes do gerenciamento, bastando citar que seguimos todas as recomendações estabelecidas no PMBOK (Project Management Body of Knowledge) nas suas versões mais recentes e adotadas por várias Marinhas. Como ferramenta de Análise de Risco, adotamos uma adaptação ao modelo tradicional desenvolvida especialmente para o projeto do míssil antinavio lançado da superfície (MAN-SUP) pela fundação Atech, que, aliás, é a entidade contratada para nos auxiliar no gerenciamento complementar.
O Programa esporão conta atualmente com cinco projetos específicos, que estão em diferentes estágios de maturação.
– projeto de desenvolvimento de um Torpedo Pesado (TPN);
– projeto de desenvolvimento de um míssil antinavio lançado por submarino (MAN-SUB);
– projeto de desenvolvimento de um sonar cilíndrico de casco;
– projeto de desenvolvimento do CMS (Combat Management System) – Siconta VIII; e
– projeto de desenvolvimento do IPMS ( Integrated Plataform Management System).
Contaremos de forma bastante resumida cada um desses projetos, sem entrar em aspectos técnicos e comerciais.
O primeiro e provavelmente o mais importante projeto é o Torpedo Pesado Nacional. Como todos sabemos, a credibilidade de um meio em provocar a dissuasão está diretamente relacionada com a percepção do oponente de que a sua arma é eficaz e confiável.
No passado recente, por conta de escolhas, e durante muito tempo nossos submarinos ficaram “desdentados”. Ao adquirirmos os ‘Oberon’ na Inglaterra com quase todos os seus sistemas ingleses, muito difícil seria escapar de adquirir o TP-MK 24 – Tigerfish, ainda em desenvolvimento, principalmente com os ingleses alardeando que ele estava operacional e provado em combate nas Malvinas, muito embora o único torpedo pesado que eles usaram para afundar o ‘Belgrano’ tenha sido o velho e confiável MK 8 de corrida reta e desenvolvido no início do século XX.
Ao adquirirmos o MK 24, constatamos os problemas relacionados a um sistema em desenvolvimento e resistimos às pressões para adquirirmos as suas versões posteriores, que, na opinião dos ingleses, resolveriam todos os problemas identificados naquele que agora era chamado de TP-MK 24 Mod1.
Para os IKL resolvemos inovar. Aproveitamos a proposta de uma empresa sueca para desenvolvermos em conjunto com ToT um torpedo pesado que atendesse aos requisitos operacionais de ambas as Marinhas.
Foi a nossa primeira e péssima experiência com a tal da ToT. Os suecos não forneciam informações técnicas que pudesse nos ajudar de alguma forma. Acresce que o torpedo era movido pelo combustível peróxido de hidrogênio, altamente concentrado, que, como nos mostrou o acidente do Kursk , tem o péssimo hábito de explodir com muito pouco estímulo. Isso, aliado ao atraso de mais de dois anos na execução contratual, por atraso no desenvolvimento do torpedo, levou a MB a rescindir o contrato e, nas negociações do distrato, fomos ressarcidos dos recursos pagos, mas a verdade nua e crua é que continuamos “desdentados”.
Na tentativa de resolver definitivamente o problema e aproveitando uma janela de oportunidade política, solicitamos e recebemos dos americanos uma proposta para nos venderem o melhor torpedo pesado em operação na atualidade, o TP-MK 48.
Resolvido o problema, com ajuda da Marinha americana, do lançamento swin out, hoje este torpedo está integrado e foi lançado com êxito pelos submarinos classe Tupi e Tikuna. Mas permanece o fato de que este é um torpedo americano, e como tal, sujeito às idiossincrasias do governo americano, que, por vezes, modifica sua política de fornecimento de armamentos.
Não podendo contar com o MK 48 para o futuro submarino de propulsão nuclear, a MB decidiu utilizar o mesmo torpedo que os franceses utilizarão no seu mais novo submarino de ataque classe Barracuda. este torpedo é o F-21 e já está em desenvolvimento há algum tempo. Acontece que este torpedo era para ser um desenvolvimento conjunto ítalo-francês, mas houve desentendimento entre as partes, o que levou à ruptura com os italianos. Os franceses, mediante adaptações ao projeto, partiram para nova parceria, desta vez com os alemães. Muito embora todas as garantias de contrato e dos fabricantes nos permitam ser cautelosamente otimistas no sentido de que a MB terá um torpedo eficaz, confiável e o mesmo adotado na Marinha francesa, o espectro do passado nos obriga a pensar num Plano B.
O MAN-SUB é quase uma continuação natural dos projetos de desenvolvimento de mísseis da DSAM. Na sua forma original fornecida pelos franceses como SM-39, nada mais é do que um míssil AM-39 encapsulado numa espécie de torpedo movido a motor-foguete lançado por tubos de torpedos especialmente preparados com pistões que, uma vez distendidos, ejetam o conjunto e permitem ao motor-foguete inicial disparar e levá-lo para fora d’água, onde se separam e o AM-30 continua seu percurso até o alvo.
De todos os projetos é o mais maduro em termos gerenciais, isto porque o MAN-SUP começou em 2008, mas talvez seja aquele que mais controvérsia possa trazer ao ser avaliado na sua eficácia. Isto tudo por uma razão simples: um míssil AM-39 tem alcance de 60 Km, enquanto um torpedo moderno está com alcance também neste entorno. Ora, é difícil imaginar o que pode motivar o comandante de um submarino a lançar um míssil, com toda a indiscrição que isso acarreta, quando tiver à sua disposição um torpedo que possa engajar o mesmo alvo. Será preciso uma análise muito cuidadosa.
O desenvolvimento de um sonar nacional é sonho muito antigo na MB e sempre esbarrou na aplicação prática específica. Desenvolver para instalar aonde? Por outro lado, a formação acadêmica/teórica em propagação acústica submarina, processamento de sinais acústicos, filtragens e etc…, leva muitos anos e não tem atrativos duais para outros empregos, como no caso eletromagnético. E até hoje, nenhum empregador que não seja a MB. Esta situação desencorajou muitas mentes brilhantes, com exceção de pequeno grupo de abnegados. As propostas de ToT nesta área chegam a ser ridículas.
Para o programa Esporão, o desenvolvimento de um sonar é tão importante quanto seria desimportante um submarino com propulsão nuclear cego. Essa foi uma situação semelhante à que acabou ocorrendo com as nossas fragatas classe Niterói modernizadas quando receberam seus novos sonares americanos e descobrimos que estes não detectavam nada e que o problema aparentemente estava num filtro de propriedade intelectual da Marinha americana, o que o fabricante “esqueceu” de nos avisar. A solução foi usar aquele pequeno grupo de abnegados, que foram capazes de desenvolver outro filtro e instalá-los e testá-los nas fragatas.
A estratégia do projeto é continuar a desenvolver o processamento, algorítimos, modelos matemáticos e etc do sonar da fragata com objetivo de se chegar a uma maturidade intelectual que nos permita desenvolver um sonar de casco para submarino.
Os dois últimos projetos do Esporão são sistemas digitais operativos em tempo real, tanto o sistema de combate – Siconta – como a grande novidade , o IPMS, ou Integrated Plataform Management System.
O CMS que virá com o Scorpene e previsto no contrato é o Subtics. Após as primeiras discussões mais sérias, a MB constatou que, ao contrário das suas expectativas, teríamos nesses sistemas caixas “brancas”, “cinzas” e “pretas”.
Por outro lado, a MB já vem projetando, desenvolvendo e instalando em seus meios navais uma família de sistemas de Controle Tático e de Armas. Assim, foram instalados o Siconta MK II nas fragatas classe Niterói modernizadas, o Siconta MK III na corveta Barroso e o Siconta MK IV no NAe São Paulo (em fase de aceitação).
O Programa Esporão prevê o desenvolvimento do Sistema de Combate Siconta MK VIII para os submarinos. Para isso, fazendo uso da experiência anterior, a MB utilizará das “boas práticas” para executar a transferência de tecnologia, como execução de serviços ou obtenção de produto que contenha a tecnologia transferida. formará um grupo específico para absorver a tecnologia, distinto do que fiscalizará o projeto e contará com a participação de empresas, institutos de Ciência e Tecnologia, universidades e centros de pesquisas.
O Programa Esporão estruturará os processos de transferência de tecnologia hoje em curso, de forma a obter um sistema de combate para submarinos totalmente nacionalizado, com total conhecimento pelas empresas e técnicos brasileiros participantes do projeto, possibilitando atender ao programa de reaparelhamento de meios da MB e estimulando e contribuindo para o crescimento da indústria bélica do País.
Os sistemas de combate da família Siconta são atualmente sistemas estáveis e de manutenção integralmente dominada pela MB, em que pese a escassez de pessoal da área de Tecnologia da Informação (TI). Isso permite assegurar a certeza de sucesso do Siconta MK VIII para submarinos, pois este possui um nível de complexidade inferior ao de um navio-escolta, além da MB possuir total domínio sobre os códigos-fonte, o que permitirá a integração de novos equipamentos ao sistema de combate.
O IPMS já é um problema bem mais complicado. Primeiro, por desconhecimento e ignorância nosso. Nunca fizemos nenhum sistema de controle integrado de plataforma na MB, apenas sistemas isolados de controle de propulsão, governo, CAV e etc. Segundo pelos riscos envolvidos quando a plataforma é um submarino nuclear.
O sistema de gerenciamento integrado da plataforma – IPMS – consiste em um conjunto de equipamentos (hardware e software), que não se comunicam entre si por meio de uma ou mais rede de dados. Envolve vários subsistemas específicos que, de um lado, devem atuar com certo grau de autonomia e, de outro, mantém uma forte relação de interdependência (propulsão, geração e distribuição de energia, governos, mastros içáveis, hidráulica principal, compensação e trimagem, óleo diesel, óleo lubrificante, engraxamento centralizado, ar comprimido de alta pressão, tanques de lastro, circuitos de resfriamento, ar condicionado, ventilação, águadoce/desmineralizada, regeneração e monitoramento da atmosfera, resgate, esnorquel, drenagem de porões,fechamento de válvulas do mar em emergência, detecção e combate a incêndio, ar para respiração, circuito de 28 V para emergência e outros). Permite o controle ou monitoramento remoto da maioria dos subsistemas de bordo a partir de um compartimento de controle e controle local em diferentes compartimentos do submarino.
Nosso futuro submarino com propulsão nuclear exigirá um esforço conjunto para o desenvolvimento de um sistema de controle e proteção da planta de propulsão nuclear integrada com os demais subsistemas inerentes a um submarino. A interação entre tais subsistemas se torna ainda mais complexa se considerarmos a possibilidade da ocorrência de situações de emergência e a necessidade de serem mantidas as funções operacionais que envolvem a efetiva troca de informações entre esses subsistemas visando a salva-guarda da vida humana, do material e do meio ambiente.
O Programa Esporão prevê a contribuição no desenvolvimento de subsistemas para os SN-BR, como “Plano B” para dominar o conhecimento daqueles considerados de maior importância, não abrangidos pela planta nuclear (CTMSP), e cuja tecnologia não seja transferida inteiramente para a MB. Da mesma forma como no sistema de combate, fazendo uso da experiência anterior, foi vislumbrada a necessidade da formação de um grupo específico para absorver tecnologia e fixar conhecimentos por meio de um trabalho conjunto com a participação de empresas, institutos de Ciência e Tecnologia, universidades e centros de pesquisa, que permita a obtenção de produtos contendo a tecnologia transferida. Além disso, com a formação e o treinamento desse Grupo de Recebimento de Tecnologia para submarinos (GRTEC-SUB), pretende-se suprir parte da escassez de pessoal na área de TI, disseminar novas tecnologias e servir como embrião do CMS-SUB a ser implantado na futura Base de Submarinos, em Sepetiba.