Em março deste ano, uma equipe de especialistas saiu de Iperó, na região de Sorocaba, e viajou para a pequena cidade de Halden, no sul da Noruega, com a missão de realizar uma demonstração científica no sofisticado Instituto de Tecnologia da Energia, o IFE. O desafio era comprovar a eficiência do combustível que vai abastecer o primeiro submarino nuclear brasileiro. E o resultado do ensaio foi um sucesso, digno de comemoração. O comandante André Luís Ferreira Marques, do Programa Nuclear da Marinha (PNM), descreveu o acontecimento: “Foi emocionante.”
Iperó abriga o Centro Experimental Aramar, unidade da Marinha que desenvolve as pesquisas que levarão o Brasil à construção do submarino. Desde o início do PNM, em 1979, o ritmo dos trabalhos é ditado pela capacitação técnica e também pelos recursos orçamentários da União. O fato que a Marinha acaba de demonstrar em Halden é um passo marcante no conjunto de metas até a conclusão do objetivo final, que é colocar o submarino nuclear em operação no ano de 2023.
Lá se vão mais de 40 anos desde que um militar da Marinha, Othon Luiz Pinheiro da Silva, durante os seus cursos de engenharia nuclear e de mestrado em mecânica, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, deparou com o comentário de um renomado professor, identificado como Benedict, que criticou a eficiência do acordo Brasil-Alemanha de 1974. O processo de enriquecimento de urânio para a obtenção do combustível nuclear era do tipo “jet nozzle” (jato centrífugo), considerado ineficiente por Benedict. “Os brasileiros acreditaram e compraram isso”, ironizou o especialista, segundo relato de Othon em 1999. O Brasil tivera a intenção de comprar tecnologia de enriquecimento de urânio pelo método da ultracentrifugação, mas na época os Estados Unidos, por meio da Holanda, vetaram essa comercialização. E o acordo Brasil-Alemanha foi a alternativa que restou ao País.
Quando retornou ao Brasil, em fevereiro de 1978, Othon apresentou ao comando da Marinha a tese de que o domínio do ciclo do combustível nuclear era uma oportunidade para o País obter tecnologia e independência. Em dezembro de 1978, o comando da Marinha, acatando as suas ideias, convocou-o para a missão de enriquecer urânio por ultracentrifugação e, além disso, fabricar as máquinas utilizadas nesse processo e que recebiam o nome de ultracentrífugas. Diante do desafio, um graduado militar da vice-chefia do Estado Maior da Armada disse a Othon: “Deus te ilumine. E procure fazer juz a missão que Ele está lhe dando.”
Os trabalhos efetivos começaram em 1979. Othon encontrou vasto apoio na comunidade científica, o que incluiu o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). A então Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado forneceu os engenheiros e técnicos para a equipe de Othon. Em 1982, ele e sua equipe mostraram à Marinha a primeira operação de enriquecimento de urânio do País, com uma ultracentrífuga fabricada pelo grupo. A próxima etapa foi a fabricação de um conjunto de ultracentrífugas que operasse em cascata, o que foi feito em 1984, no IPEN. Com isso, estavam criadas as bases para o desenvolvimento do programa. Os projetos passaram a ser desenvolvidos no IPEN, em fase laboratorial, e as experiências em Iperó. E o programa de propulsão naval passou a ser prioridade número um da Marinha.
Como complemento dessa história, em 4 de setembro de 1987, em cadeia nacional de rádio e televisão, o então presidente brasileiro, José Sarney, anunciou ao País e ao mundo: “O Brasil já domina todas as técnicas para enriquecer urânio por ultracentrifugação.” E em 8 de abril de 1988, Sarney, em companhia do então presidente argentino, Raúl Alfonsin, inaugurou Aramar. Estes registros da origem do PNM conferem ao acontecimento de Halden a dimensão de sintonia direta com os primeiros passos dados por Othon e seu grupo.
Tudo isto é história do Brasil, que tem a região de Sorocaba como protagonista. O ensaio científico em Halden ocorreu em março e somente foi divulgado no último fim de semana (dois meses depois) em furo de reportagem do jornalista Roberto Godoy, da Agência Estado. Por todas essas razões, este fato, além de sua importância tecnológica, também pede que a Marinha compartilhe tais acontecimentos com a sociedade brasileira.
FONTE: Jornal Cruzeiro do Sul