SÃO PAULO, 4 Set (Reuters) – A presidente Dilma Rousseff está “furiosa” após uma reportagem apontar que o governo dos EUA espionou suas comunicações privadas e pode cancelar a viagem de Estado que tem marcada para Washington em outubro e reduzir os laços comerciais, a não ser que receba um pedido público de desculpas, disse uma fonte de alto escalão do governo brasileiro nesta quarta-feira.
O programa “Fantástico”, da TV Globo, divulgou no domingo que a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) espionou emails, telefonemas e mensagens de texto de Dilma e do presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, quando ainda era candidato. A reportagem baseou-se em documentos vazados pelo ex-prestador de serviços da NSA Edward Snowden.
Dilma tem uma viagem de Estado marcada para Washington no mês que vem para se reunir com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e discutir a possível venda de caças norte-americanos ao Brasil, um negócio de 4 bilhões de dólares, cooperação nas áreas de petróleo e biocombustíveis, assim como outros acordos comerciais.
A visita, a única do tipo em que Obama recepciona um chefe de Estado neste ano, tinha o objetivo de enfatizar a melhora recente nas relações entre as duas maiores economias das Américas, assim como reconhecer a ascensão do Brasil como potência regional importante.
Mas a fonte disse à Reuters que Dilma considerou insuficiente a resposta dada até agora pelo governo norte-americano à reportagem do “Fantástico” e está preparada para cancelar a visita e adotar medidas de retaliação, incluindo descartar a compra de caças da norte-americana Boeing, uma das três finalistas na disputa para fornecer caças à Força Aérea Brasileira (FAB).
“Essa é uma grande, grande crise”, disse a fonte sob condição de anonimato. “Precisa haver um pedido de desculpas. Precisa ser público. Sem isso, é basicamente impossível para ela ir a Washington em outubro.”
Obama e Dilma vão participar da reunião do G20 em São Petersburgo, na Rússia. No entanto, até esta quarta-feira, os dois líderes não tinham nenhuma reunião bilateral marcada, disse a fonte.
Analistas têm afirmado que seria politicamente difícil para Dilma participar de toda a pompa de uma visita de Estado, que inclui um jantar de gala entre outras formalidade, numa data tão próxima às acusações de que o governo dos EUA a espionaram.
Na segunda-feira o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, exigiu uma resposta por escrito do governo norte-americano sobre a reportagem do “Fantástico” até o final desta semana. Uma autoridade do Itamaraty disse à Reuters que nenhuma resposta havia sido enviada até a tarde desta quarta.
OBAMA DIZ QUE EUA MIRAM “ÁREAS DE PREOCUPAÇÃO”
Em declarações na Suécia nesta quarta, a caminho da reunião do G20, o presidente norte-americano disse que a inteligência dos Estados Unidos não está “bisbilhotando os emails das pessoas ou escutando seus telefonemas”.
“O que nós estamos tentando fazer é mirar, bem especificamente, em algumas áreas de preocupação”, disse Obama, acrescentando que tais áreas incluem ações contra o terrorismo, armas de destruição em massa e segurança cibernética.
Autoridades brasileiras estão céticas sobre como as comunicações privadas de Dilma teriam entrado nessas categorias. O Brasil não é uma base conhecida de operações terroristas, não produz armas nucleares, e tem sido uma democracia estável e um aliado cordial dos Estados Unidos nas últimas três décadas.
Obama também disse nesta quarta que salvaguardas devem ser fortalecidas para garantir que os programas de vigilância se mantenham dentro de determinados parâmetros.
“Só porque nós podemos fazer algo, não significa que devemos fazê-lo”, disse.
A reportagem da TV Globo mostrou o que afirmou ser um slide da NSA de junho de 2012 que apontava os padrões de comunicação entre Dilma e seus auxiliares mais próximos.
Esse slide e um outro que mostrava mensagens escritas enviadas pelo presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, quando ainda era candidato à Presidência, faziam parte de um estudo de caso da NSA mostrando como os dados poderiam ser “inteligentemente” filtrados pela agência, segundo a reportagem.
A reportagem baseou-se em documentos obtidos junto a Snowden pelo jornalista Glenn Greenwald, que mora no Rio de Janeiro.
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, um dos auxiliares em que Dilma mais confia, disse na terça-feira que o Brasil ainda tem de receber uma explicação “razoável” dos Estados Unidos.
“Acho que essa espionagem indiscriminada não tem a ver a com segurança nacional”, disse o ministro. “É uma espionagem com um caráter comercial, industrial.”
Bernardo disse que a espionagem era “mais grave do que fica parecendo à primeira vista”, o que pode explicar a razão que levou Dilma a buscar um pedido de desculpas depois de inicialmente pedir uma explicação por escrito dos EUA.
A autoridade do governo brasileiro que falou sob condição de anonimato à Reuters comparou a crise atual com a última vez que os dois países brigaram em público –em 2010, quando o antecessor de Dilma, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tentou intermediar um acordo sobre o programa nuclear iraniano, o que não deu certo e gerou uma onda de recriminações entre Washington e Brasília.
“Isso é muito pior que o Irã”, disse a fonte. “Ela está completamente furiosa.”