Por Sergio Duarte e Ronaldo Sardenberg
A cada cinco anos, os Estados integrantes do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) realizam uma conferência para examinar a implementação desse importante instrumento no campo do desarmamento e promoção dos usos pacíficos da energia atômica. Dentre as nove conferências realizadas de 1975 até hoje, cinco terminaram sem acordo sobre um documento final de avaliação do tratado. Embora todas as partes reafirmem apoio aos objetivos do instrumento, persistem profundas divergências sobre a observância dos compromissos de desarmamento nuclear e não proliferação, assim como certos aspectos do uso civil da energia atômica, o que torna difíceis acordos sobre a adoção de medidas eficazes.
Esse fraco desempenho tem origem na própria estrutura do tratado, que entrou em vigor em 1970 e estabelece uma divisão entre os países possuidores de armamento nuclear (Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, China e França) e todos os demais, com direitos e obrigações diferentes para ambas as categorias. Somente quatro países não fazem parte do TNP: Índia, Paquistão, Israel e a Coreia do Norte. Os dois primeiros adquiriram armas atômicas. Embora Israel não confirme nem desminta, acredita- se que possua um arsenal de cerca de 150 bombas atômicas. A Coreia do Norte desligou- se do tratado em 1992 e estima-se que hoje conte com pelo menos seis artefatos explosivos.
Muitos países que não têm armas nucleares se mostram cada vez mais céticos a respeito das verdadeiras intenções dos possuidores, que consideram seus arsenais atômicos indispensáveis para sua segurança e não aceitam quaisquer compromissos multilaterais irreversíveis e juridicamente vinculantes de desarmamento, com prazos definidos e sob verificação independente. Em vez disso, advogam reforçar os controles rígidos e obrigatórios já impostos pelo tratado às atividades nucleares lícitas dos países desarmados. A impossibilidade de obter um comprometimento firme de desarmamento nuclear e a decepção com os parcos resultados até hoje conseguidos representam um perigoso descrédito para o único instrumento internacional que regula a matéria no âmbito multilateral e um incentivo para que outros países igualmente venham a dotar-se de armamento nuclear.
A causa imediata do fracasso da Conferência de 2015 foi a recusa de parte dos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá em concordar com a convocação de uma conferência sobre o estabelecimento de uma zona livre de armas de destruição em massa, inclusive nucleares, no Oriente Médio. Embora não seja parte do tratado, sabe- se que Israel não vê com simpatia a realização dessa conferência, insistentemente promovida pelos demais países do Oriente Médio.
Há apenas uma nota otimista. Um grupo de 107 países, inclusive o Brasil, endossou o “compromisso humanitário” proposto pela Áustria, comprometendo- se a empenhar- se para “estigmatizar, proibir e eliminar as armas nucleares tendo em vista suas inaceitáveis consequências humanitárias e riscos correlatos”. Diversos governos e organizações não governamentais trabalham há vários anos na promoção de uma convenção internacional para a proibição de uso, fabricação e armazenamento de armas nucleares. Apesar da forte pressão contrária dos possuidores de armamento atômico e alguns de seus aliados, a proposta de negociação de um tratado de proibição dessas armas, certamente, será um dos principais temas em debate na próxima Assembleia Geral das Nações Unidas, a partir de setembro.
Sergio Duarte é diplomata e foi alto representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento; Ronaldo Sardenberg é diplomata e foi ministro da Ciência e Tecnologia
FONTE: O Globo