Por Anthony Boadle
BRASÍLIA (Reuters) – Pode algum governo escapar ao olhar indiscreto da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos? O Brasil vai tentar.
Irritado com as recentes revelações de que os Estados Unidos espionaram emails e telefonemas de brasileiros, inclusive da presidente Dilma Rousseff, o governo está acelerando seus esforços para melhorar a segurança das comunicações na esperança de preservar mais seus segredos.
Ao adquirir um novo satélite, obrigar burocratas em Brasília a usar plataformas de email seguras e até implantar um cabo de fibra óptica próprio para se comunicar com governo de países vizinhos, o Brasil espera pelo menos reduzir a quantidade de informação disponível para governos estrangeiros.
A crescente ênfase nas comunicações seguras é algo um pouco difícil de vender num país famoso por seu jeito relaxado, sem histórico de ser alvo do terrorismo internacional e há mais de um século sem travar nenhuma guerra contra vizinhos.
As autoridades brasileiras também admitem enfrentar os mesmos problemas de muitos outros países que ficaram incomodados com as recentes revelações sobre a NSA. Ou seja, a implantação de novas tecnologias é cara e difícil, e mesmo assim não há garantia de driblar completamente a sofisticada rede de arrasto empregada pelo governo dos EUA.
Mesmo assim, o Brasil está especialmente motivado para agir.
Mais do que a maioria dos outros países, o país sofreu constrangimentos com os documentos revelados pelo ex-técnico de inteligência Edward Snowden. Reportagem exibida no domingo pela TV Globo incluiu um documento com um diagrama mostrando comunicações entre Dilma e seus principais assessores, o que seria parte de um “estudo de caso” da NSA sobre seus poderes de espionagem.
Dilma ficou tão irritada com a notícia que cogita cancelar uma visita de Estado aos Estados Unidos no mês que vem, disse uma fonte oficial à Reuters na quarta-feira.
Em julho, já havia vindo à tona a notícia de que a NSA usava programas secretos de vigilância para espionar e-mails e colher dados sobre telefonemas no Brasil e em outros países latino-americanos. Em resposta a isso, o governo dos EUA disse monitorar os padrões de comunicação a fim de detectar potenciais ameaças, mas que não bisbilhota pessoas comuns.
Os burocratas que trabalham nos edifícios modernistas de Brasília há anos já possuem serviços de correio eletrônico criptografado, incluindo uma plataforma local chamada Expresso.
Mas só depois das recentes revelações muitos funcionários perceberam seu valor, segundo Marcos Melo, gerente do Serviço Federal e Processamento de Dados (Serpro), empresa estatal que criou o Expresso e administra bancos de dados seguros para o governo.
“Agora as pessoas entendem o risco que você corre ao não proteger suas comunicações”, disse Melo. “Quando começamos a investir no Expresso, há seis anos, disseram: ‘Por que se dar ao trabalho de desenvolver uma nova ferramenta se o Gmail existe e é grátis?'”
CÉUS CONTROLADOS
A primeira onda de revelações sobre a espionagem, em julho, incluiu documentos mostrando que a NSA e a Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) mantinham conjuntamente estações de monitoramento de satélites em 64 países, incluindo uma em um bairro residencial de Brasília.
Coincidência ou não, o Brasil tomou nas últimas semanas decisões importantes para ter mais independência em seus céus.
Em questão de semanas, o governo concluiu um processo de seleção para a produção de um novo satélite a ser dividido por autoridades civis e pelas Forças Armadas. A empresa vencedora foi a Thales Alenia Space, consórcio liderado pela francesa Thales, principal empresa europeia de sistemas eletrônicos de defesa.
A escolha coube à Visiona, nova parceria entre a estatal de telecomunicações Telebras e a fabricante de aviões Embraer, com a tarefa de administrar o novo satélite e desenvolver outros no futuro.
A escolha da Thales em vez de uma empresa dos EUA ou Japão causou certo espanto entre alguns diplomatas em Brasília, que se perguntaram até que ponto as revelações sobre a NSA estão por trás disso.
O presidente da Telebras, Caio Bonilha, disse à Reuters que o principal fator para a decisão foi o custo, e não preocupações de que um satélite de fabricação norte-americana pudesse ser mais suscetível aos programas de espionagem dos EUA.
No entanto, falando em termos mais amplos sobre recentes ações da empresa, ele admitiu que “a segurança se tornou uma grande preocupação”.
Grande parte das comunicações no governo brasileiro, inclusive dos militares, depende de um satélite pertencente a uma companhia controlada pelo bilionário mexicano Carlos Slim. O Brasil não pode nem controlar seu ângulo, muito menos a segurança dos seus canais.
O novo satélite a ser fornecido pela Thales será lançado em 2016 na Guiana Francesa. O custo total, incluindo o satélite, o lançamento e o seguro, será de 600 a 650 milhões de dólares.
Ele oferecerá acesso ao serviço de internet banda larga em partes remotas do Brasil e ampliará a rede digital do governo para todo o país.
Além disso, o Brasil começou a estabelecer conexões diretas de fibra óptica com outras nações sul-americanas –o Uruguai já foi conectado e a Argentina será a próxima– para evitar que informações entre governos passem por redes dos EUA.
“Quanto menos a sua informação viajar pelo mundo, mais segura ela estará”, disse Bonilha.
O Serpro também espera que, em meio às atuais preocupações, mais usuários adiram ao Expresso. Essa plataforma se baseia em um programa de fonte aberta, o que, ao contrário do que se pode pensar, garante mais segurança, já que o código é totalmente conhecido e pode ser verificado quanto a atividades invasivas.
Já os softwares protegidos podem ter um código secreto que oculte o acesso a dados por terceiros, o que Melo diz ser o caso do Google, que nega que o governo dos EUA tenha acesso a informações guardadas em seus data centers.
Depois das revelações de Snowden, a Comissão de Relações Exteriores do Senado convocou executivos das filiais brasileiras do Google, Facebook e Microsoft para deporem em uma audiência sobre a possível colaboração dessas empresas com a NSA. As empresas negaram veementemente qualquer envolvimento com a espionagem.
Mesmo sob as luzes brilhantes do Congresso, há pouca expectativa de proteção total contra a espionagem.
“A espionagem existe desde que as nações existem, mas ela chegou a dimensões inimagináveis com a NSA”, disse o presidente da Comissão de Relações Exteriores, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que apoiou na semana passada a criação de uma CPI sobre a espionagem da NSA.
“Mas não nos enganemos. Por mais que façamos, jamais será suficiente para impedir a vigilância eletrônica dos EUA, porque a tecnologia atual é ilimitada.”