Por Mauro Santayana
O Governo brasileiro fez muito mal ao tentar justificar a suposta “contraespionagem” da ABIN contra países estrangeiros. Poderia ter sido dito, simplesmente, que essas operações não foram realizadas pelo atual governo.
À medida, no entanto, que mais se descobre sobre as atividades da ABIN, e da Divisão “Antiterrorismo” da Polícia Federal, fica mais claro o descompasso entre a situação do Brasil no mundo, e a visão de alguns de seus homens sobre nossas relações internacionais apesar dos EUA também terem sido “espionados” em território brasileiro.
É preciso que alguém lhes explique que a Al Qaeda, o Hamas, as FARC, os iraquianos, ou os iranianos, por serem inimigos dos norte-americanos não são automaticamente nossos inimigos.
Ao contrário dos EUA, não nos metemos na casa dos outros com hipocrisia e mentiras, para invadir e destruir nações como eles fizeram no Iraque e tentam fazer na Síria.
Nós não torturamos prisioneiros estrangeiros, nem os prendemos sem direito a julgamento, em bases extraterritoriais, como Abu Ghraib e Guantanamo.
Não bombardeamos crianças e idosos com aviões não tripulados.
Não julgamos os outros porque não aceitamos ser julgados por gente de fora, e não temos, graças a Deus, nem a disposição ou a arrogância de agir como se fôssemos perfeitos ou os xerifes do mundo.
Que temos grandes colônias árabe e judia, que vivem em paz e harmonia, e que não corremos o risco de ser atacados por “terroristas”.
Que na década de 1970 milhares de brasileiros trabalharam no Iraque e foram muito bem tratados, e que vendíamos armas a Bagdá, na mesma época que os EUA também o faziam, e que eles venderam também armas à Líbia de Kadafi, e até mesmo aos iranianos à época do caso Irã-contras.
Ou o fato de que, no comércio com a Venezuela, temos grande superávit, enquanto temos prejuízo no comércio com os Estados Unidos.
Ou que não somos aliados das FARC mas cooperamos para a libertação de reféns que estavam em seu poder várias vezes e que essa organização já está em processo de negociação ao que parece bem sucedida para a sua pacificação, com o governo colombiano.
Se, alguma vez, houver um grande atentado terrorista no Brasil, com certeza, ele não partirá desses “inimigos” mas sim daqueles que querem nos indisponibilizar com o resto do mundo, ou nos arrastar com eles para uma “guerra contra o terror”.
Por esta razão, é preciso que o Congresso providencie isso imediatamente, extinguindo qualquer resquício da DAT, a “Divisão Antiterrorismo” da Polícia Federal, devolver os prédios e os equipamentos recebidos, no passado, como forma de “cooperação” e que são compartilhados por agentes norte-americanos em nosso território aos Estados Unidos e convidar “educadamente”, todos os agentes do FBI, da CIA e da NSA operando em território brasileiro a deixar o país.
Se quiserem, que se disfarcem de diplomatas “normais”, e finjam que são do Departamento de Estado, como fazem em Delhi, Pequim ou Moscou, por exemplo.
É um acinte que operem livremente no Brasil, com seus cartões de visita, como faziam à época de FHC, e foi denunciado pelo ex-secretário Nacional Antidrogas Walter Maierovich.
Quanto às “doações” norte-americanas, na área de segurança, deve se tornar padrão a norma de não receber nenhum prego no futuro.
Não é o Brasil que precisa dos Estados Unidos, mas sim o contrário, se não, nós não seríamos, com quase 250 bilhões de dólares emprestados, o terceiro maior credor dos norte-americanos.
Finalmente, nunca é demais lembrar que o trabalho de informação não deve ser confundido com a atividade policial embora ele possa ser usado também pela polícia.
Em todo o mundo essa é uma área complexa e de elite, que depende de formação de primeira linha.
Considerando-se, que, para quem está no setor, é mais que recomendável o domínio de línguas estrangeiras, e como fica a cada dia mais patente um profundo conhecimento de geopolítica e relações internacionais, a formação de nossos analistas de informações deveria ocorrer paralelamente à da diplomacia.
Concluído o curso do Instituto Rio Branco, os formandos, igualmente bem preparados, poderiam optar pela carreira diplomática ou pela área de informações com plano de carreira e remuneração semelhantes.