As investigações sobre a queda de um avião da companhia aérea russa Kogalymavia, que deixou 224 pessoas mortas no Egito, promete ser muito difícil. Isso porque os responsáveis não poderão descartar a possibilidade de se tratar de um atentado, mesmo que as primeiras informações indicassem ontem grande probabilidade de falha técnica. A hipótese de um ataque, no entanto, precisa ser considerada porque uma mensagem atribuída a extremistas que atuam no Egito começou a circular na internet horas depois do desastre. “Os combatentes do Estado Islâmico foram capazes de derrubar um avião russo sobre a província do Sinai que levava mais de 220 cruzados russos. Eles foram todos mortos, graças a Deus”, afirmava o texto.
Vontade de abater uma aeronave russa não falta aos jihadistas. Ao decidir apoiar militarmente o governo do presidente sírio Bashar Al-Assad, Moscou passou a bombardear nas últimas semanas diversas tropas do Estado Islâmico, uma das forças que luta pelo poder na nação persa. O comunicado, porém, pode ser apenas uma tentativa dos extremistas de demonstrar um poder maior do que realmente têm.
Para especialistas militares consultados pela agência de notícias France-Presse, os insurgentes que atuam no norte do Sinai, região onde aconteceu a queda, não possuem mísseis capazes de atingir um avião a 30 mil pés (9.144m). Essas mesmas fontes, contudo, não descartaram a possibilidade de uma bomba a bordo ou de que um foguete tenha atingido o Airbus A321 quando ele descia por problemas técnicos.
As autoridades russas e egípcias rebateram a mensagem do Estado Islâmico dizendo que não havia indícios de que se tratava de um atentado. Momentos antes de o avião sumir dos radares, o piloto relatou problemas técnicos. “Estamos em contato com nossos colegas egípcios e as autoridades aéreas desse país. Por ora, não dispomos de qualquer confirmação sobre essa reivindicação”, foi a primeira declaração do ministro russo dos Transportes, Maxime Sokolov.
A dúvida começará a ser respondida nos próximos dias. Autoridades egípcias anunciaram ter encontrado uma das caixas-pretas do avião e a levado para análise. O primeiro-ministro do Egito, Sherif Ismail, disse que só os peritos poderão dizer qual foi a causa da queda, mas disse não acreditar que “atividades irregulares” tenham causado a tragédia. Por precaução, a francesa Air France e a alemã Lufthansa decidiram não voar sobre o Sinai.
O presidente russo, Vladimir Putin, expressou, em um comunicado, “profundas condolências” às famílias das vítimas e ordenou o envio de equipes de emergência para o local da queda. O chefe de Estado ordenou que o ministro das Situações de Emergência, Vladimir Putchov, enviasse “imediatamente, em acordo com as autoridades egípcias, aviões do ministério para trabalhar no local”. O Comitê de Investigação russo anunciou a abertura de uma apuração. A agência de segurança de aviação civil da França também enviará uma equipe ao Egito.
QUEDA REPENTINA
O voo da Kogalymavia, empresa mais conhecida como Metrojet, saiu do balneário egípcio de Sharm el-Sheikh, perto do Mar Vermelho, às 5h51 (hora local), com destino a São Petersburgo, na Rússia. Segundo informações do canal de tevê Rusia-24, 23 minutos depois, quando a aeronave estava a 30 mil pés de altura, começou a descer rapidamente. Um funcionário do serviço de rastreamento de voos Radar 24 contou à rede britânica BBC que, no intervalo de apenas um minuto, o Airbus perdeu 5 mil pés (1.524m) em apenas um minuto e depois não foi mais detectado.
Ainda de acordo com a televisão russa, os pilotos haviam se queixado de falhas constantes nos motores e chegaram a solicitar pouso em algum aeroporto mais próximo. Os destroços do avião foram localizados pelo exército egípcio no fim do dia em al-Hassana, uma região montanhosa na província do Sinai do Norte.
As 224 pessoas a bordo, contanto passageiros e sete membros da tripulação, morreram. “Não há nenhum sobrevivente”, confirmou à France Presse um membro dos serviços de emergência, indicando que os corpos das vítimas estavam espalhados por 5km em torno do local da queda. Entre os 217 passageiros, 214 eram russos, e três, ucranianos, segundo o governo egípcio, que citou 138 mulheres e 17 crianças. O ministério russo das Situações de Emergência falou de passageiros de 10 meses a 77 anos, a maioria turistas.
No Aeroporto Pulkovo, em São Petersburgo, familiares entraram em choque quando as primeiras notícias chegaram. “Estou esperando os meus pais. Eu falei ao telefone com eles quando já estavam no avião e, então, ouvi as informações”, lamentou Ella Smirnova, 25 anos. “Vou esperar até o fim. Mas talvez nunca mais os veja”, declarou à beira das lágrimas. O governo russo enviou ambulâncias ao terminal para prestar assistência médica aos familiares mais abalados. Um hotel foi reservado para abrigar os parentes das vítimas enquanto as investigações são realizadas.
MODELO COMUM EM TODO O MUNDO
A companhia Kogalymavia, também conhecida como Metrojet, foi criada em 1993 com o nome de Kolavia. Ela está classificada na 19ª posição na Rússia, pelo número de passageiros que transporta, segundo as estatísticas das autoridades aéreas do país e usa dois Airbus A320 e sete A321. O A321 que caiu ontem voou pela primeira vez em 1997, com a companhia libanesa MEA, segundo o site especializado airfleets.fr, antes de passar à Onur Air, à Saudi Arabian Airlines, de novo à Onur Air e, finalmentek, a Kogalymavia, em 2012.
O modelo da aeronave é a versão alongada do Airbus A320. “Acrescentamos arruelas na fuselagem, mas tecnologicamente é a mesma máquina”, disse um comunicado da fabricante europeia Airbus. O A321, de 44,51m de comprimento e 34,10m de envergadura, é capaz de voar longas distâncias, como rotas transatlânticas. O primeiro do tipo entrou em serviço em janeiro de 1994, um mês depois de receber certificação. Normalmente, o avião pode acomodar 185 passageiros (16 na classe executiva e 169 na classe econômica) e até 220 passageiros para voos fretados, de acordo com a Airbus.
Atualmente, 1.140 unidades do tipo estão em operação, de acordo com dados fornecidos pelo fabricante, e há 2.593 aviões encomendados. Até o fim de setembro, cerca de 6,5 mil aeronaves da família A320 estavam em serviço com mais de 300 operadores. A frota do A320 já realizou cerca de 168 milhões de horas de voo durante 92,5 milhões de viagens, segundo a Airbus.
QUESTIONAMENTOS
O acidente mais recente envolvendo um avião dessa família foi em março, quando um piloto propositalmente colidiu com os Alpes franceses, matando 150 pessoas. Em dezembro, um Airbus A320 da Air Asia caiu no Mar de Java e, em julho de 2010, um A321 igual ao da Kogalymavia, pertencente à paquistanesa Airblue, caiu no Paquistão, nas colinas próximas a Islamabad, com 152 pessoas a bordo.
Na Rússia, o acidente aéreo mais grave dos últimos anos aconteceu em 17 de novembro de 2013, quando um Boeing 737 da companhia aérea russa Tatarstan de 1990 caiu no aeroporto de Kazan (Volga), o que provocou a morte de seus 44 passageiros e seis integrantes da tripulação. Isso provocou questionamentos no país sobre o estado de suas aeronaves, em um momento em que inúmeras companhias regionais exploram aviões de várias décadas.
De acordo com o site do Independent, de 20 anos para cá, houve 20 eventos fatais envolvendo aéreas russas, com um total de 1.330 mortes. O jornal destacou a gravidade dessa estatística, comparando com a aviação comercial britânica que, embora tenha mais voos e passageiros que a Rússia, registrou o último acidente do tipo em 1989.
FONTE: Correio Braziliense