Para o professor, dependendo do acordo entre a Embraer e a Saab, a parceria pode resultar em vantagens não só para a aviação militar, mas também para a aviação civil.
Conheça o caça Gripen
Abdalla esteve recentemente na Europa, como pesquisador, para desenvolver projeto conceitual de aeronave militar. Lá, manteve contato com a empresa sueca. Confira abaixo as respostas enviadas, por e-mail, pelo professor às questões feitas pelo R7:
R7 – O governo acertou ao escolher comprar o caça Gripen?
Alvaro Abdalla – Sem dúvida. Apesar de as três aeronaves selecionadas cumprirem todos os requisitos do programa FX, a decisão pela compra do Gripen foi acertada. Pilotos, engenheiros e a Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate da FAB fizeram uma avaliação detalhada das propostas e escolheram o Gripen. A aeronave tem baixo custo unitário e operacional, sistemas relativamente simples, o que facilita a integração de armamentos de diferentes tipos e fabricantes, inclusive nacionais.
R7 – Qual a importância, para o Brasil, da transferência de tecnologia?
Abdalla – A Saab garantiu total e irrestrita transferência de tecnologia do Gripen para a indústria brasileira. Além disso, a empresa se comprometou em ter a indústria brasileira integrada em todas as fases de desenvolvimento da aeronave. Mas, mais do que a transferência de tecnologia, é importante o fato de o Brasil poder ser parceiro no desenvolvimento da aeronave. O Gripen NG não está totalmente pronto. Poderemos aprender a projetar, a modificar e a aperfeiçoar uma aeronave de combate. É uma oportunidade para o Brasil reduzir sua dependência tecnológica no setor. A escolha do Gripen NG proprciona a base para o desenvolvimento de uma aeronave militar supersônica brasileira.
R7 – A Embraer deve participar do projeto. O senhor acredita que a empresa possa usar o conhecimento adquirido também em novos jatos comerciais?
Abdalla – Tecnicamente sim, mas dependerá do tipo de acordo firmado entre a Saab e a Embraer. Uma das tecnologias críticas que poderia beneficiar a Embraer seria o projeto e a manufatura de estruturas em material composto principalmente de carbono. Hoje, há uma tendência em construir grandes partes estruturais de aeronaves comerciais com cabono.
R7 – Há, porém, crítica ao fato de boa parte dos componentes do Gripen ser de fabricação americana. Isso pode anular a transferência tecnológica?
Abdalla – Penso que seria difícil anular totalmente. E, havendo problemas com o fabricante, a SAAB tem de garantir o fornecimento, tem de negociá-los. Há a alternativa de modificar o projeto da aeronave e trocar esses componentes por componentes de outros fabricantes. Não é uma tarefa simples para todos os componentes, mas não é impossível.
R7 – Pode haver problemas no cronograma de entrega?
Abdalla – Se houver problemas no fornecimento de componentes, por exemplo, pode, sim, haver atrasos.
R7 – Há risco de boicote por parte de algum fornecedor?
Abdalla – Acredito que nenhum país tenha interesse em boicotar ou prejudicar o desenvolvimento e a fabricação da aeronave no Brasil porque todos têm relações comerciais e interesse em produtos fabricados pela Embraer. Um fator importante é que as partes mais sensíveis da aeronave, como a manipulação e a decodificação do sistema de armamento, serão feitas no Brasil.
R7 – Qual é o risco que o Brasil corre pelo fato de o caça ser, por enquanto, um protótipo? Os testes já feitos são suficientes?
Abdalla – Já existem várias forças aéreas operando a aeronave: Suécia, África do Sul, República Tcheca, Tailandia e Suíça também elegeram o Gripen como seu caça.
R7 – Será necessário treinar os pilotos brasileiros para que lidem com o novo caça? Como deve ser feito esse treinamento?
Abdalla – Sim. Isso deverá ser feito com modelos da aeronave Gripen para treinamento. São modelos com assentos duplos em “tandem” (posicionados um a frente do outro).
R7 – O Gripen é menor e mais leve que os concorrentes. Qual é a vantagem dessa característica?
Abdalla – A principal vantagem, a meu ver, seria a capacidade de operar em pequenas pistas. O Gripen poderia atender à Marinha brasileira, operando no porta-aviões São Paulo, o que o Rafale e outros concorrentes não poderiam fazer.
R7 – Mas há quem critique o Gripen justamente por não poder ser usado em porta-aviões.
Abdalla – De fato, a versão naval do Gripen ainda está na fase conceitual, mas existe uma grande possibilidade de ser apresentada em breve. O caça tem muitas características de aeronave naval. Ele possui, por exemplo, “canards” relativamente grandes. Os “canards” são aquelas pequenas asas que ficam à frente da asa. Eles têm várias funções. Além de tornarem o Gripen uma aeronave mais ágil, também funcionam como freios. O modelo, então, decola de pistas de menos de 900 metros e pousa em 500 metros. Isso levou a Saab a estudar a versão naval.
R7 – A autonomia de voo do Gripen é menor que a dos concorrentes. Em um país de dimensões continentais, como o Brasil, isso não pode prejudicar as operações?
Abdalla – O Gripen NG terá a sua autonomia aumentada com a modificação do trem de pouso principal, que resultará em um espaço suficiente para alojar um tanque de combustível de 1.200 litros, aumentando o raio de combate para 1.300 quilômetros (o raio original é de 800 quilômetros).
R7 – É realmente necessário renovar a frota das Forças Armadas?
Abdalla – Sim. A frota de aeronaves Mirage 2000 já era para estar aposentada há anos. Só foi possível esticar seu tempo em serviço graças a peças de reparos – obtidas, talvez, por meio de “canibalização” de outras aeronaves (retirada de peças de um avião para consertar em outro).
R7 – E o número de aeronaves que devem ser adquiridas é compatível com a necessidade do Brasil?
Abdalla – Não. Eu penso que uma quantidade maior de aeronaves seria necessária. Com um maior número de aeronaves, uma melhor distribuição dentro do território poderia ser feita. Assim, o problema do alcance seria minimizado, reduzindo também os custos operacionais.