Novo estudo do Instituto Igarapé revela debate interno sobre atuação de mulheres em funções de combate e mostra os avanços em quase 30 países
Este ano, mulheres ingressaram pela primeira vez na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, de onde seguem, em 2018, para a Academia Militar das Agulhas Negras. Na Escola Naval, a primeira turma de intendentes também se forma este ano. Essas serão as primeiras oficiais do Exército e da Marinha a atuar na linha bélica, em funções de apoio ao combate. Na Força Aérea, mulheres atuam desde 1996 na intendência e 2003 na aviação, mas ainda não podem entrar na infantaria, por exemplo.
Uma pesquisa inédita no Brasil, que o Instituto Igarapé lança nesta sexta-feira, 11 de agosto, mostra a percepção de homens e mulheres militares, de cadetes e aspirantes a oficiais, sobre a recente abertura a mulheres de algumas funções, inclusive de combate, com depoimentos sobre habilidades necessárias à profissão, liderança, capacidades e adaptações de infraestrutura e expectativas com relação à família e à carreira. Situações Extraordinárias: a entrada das mulheres na linha de frente das forças armadas traz também dados sobre a atuação feminina nas forças armadas do Brasil e de outros países.
“Observamos que o debate sobre a presença das mulheres na linha de frente se pauta muito pela força física. Por isso, a presença delas em funções de apoio ao combate, como a intendência no Exército e na Marinha, e material bélico no Exército, é mais aceita. Mas ainda permanecem dúvidas quanto à inserção de mulheres em funções de combate direto, como a infantaria nas três forças”, analisa Renata Giannini, pesquisadora do Instituto Igarapé e uma das autoras da publicação. “Percebemos também a persistência de uma visão ainda estereotipada do papel da mulher da conciliação entre família e carreira. Os desafios de integração acabam sendo mais de ordem subjetiva do que prática. É um tema que precisa ser tratado com transparência”, completa.
A Marinha foi a primeira a aceitar mulheres, mas a Força Aérea foi pioneira na inclusão de mulheres em sua atividade-fim. Desde 2003, mulheres podem ingressar na aviação, e, desde 1996, mulheres podem aceder à Intendência, que cuida de aspectos logísticos e administrativos, inclusive no apoio ao combate. Nos últimos cinco anos, foi a vez da Marinha e do Exército começarem a seguir o mesmo caminho, em cumprimento à lei 12.705, de 2012.
Permanecem fechadas às mulheres as infantarias nas três forças, além da Armada na Marinha (que será aberta até 2023) e de Artilharia, Cavalaria, Comunicações e Engenharia no Exército.
Maioria dos países da América Latina já tem mulheres combatentes
Situações extraordinárias reúne também estudos científicos, dados históricos e exemplos de políticas praticadas com eficiência por outros países que desmentem mitos sobre o universo militar pela ótica de gênero, como o da necessidade da força física.
“Um deles é o argumento que trata mulheres e combate como coisas incompatíveis, o que não faz sentido, já que os requisitos para essas funções são objetivos, e mulheres podem preenchê-los, como foi o caso de mulheres que recentemente foram aprovadas no curso para integrar a elite do Exército americano, os rangers”, exemplifica Maiara Folly, que também assina a pesquisa.
A pesquisa abordou ainda a realidade de mulheres militares em outros lugares do mundo. Cerca de 20 países – a maioria na Europa – permite à mulher ingressar em qualquer arma e especialidade. A Noruega foi pioneira, mas outros países, como o Canadá e Suécia, adotaram a mesma política ainda na década de 1980.
Na América Latina, seis países permitem o acesso total de mulheres em suas Forças Armadas: Argentina, Bolívia, Colômbia, Nicarágua, Uruguai e Venezuela. “Alguns deles, inclusive, enviam mulheres combatentes a missões de paz no exterior”, completa Renata.
As autoras também chamam atenção, no entanto, para a baixa proporção de mulheres nas forças armadas de todo o mundo. O maior índice é o da África do Sul que, desde 1994, não tem qualquer restrição à participação de mulheres militares. No Brasil, as mulheres são 8% do total do efetivo, com maior incidência na Força Aérea. Além disso, há bem pouco tempo, uma mulher da Marinha finalmente chegou ao topo da carreira militar: a Contra-Almirante Dalva Mendes tornou-se, em 2012, a primeira – e única, por enquanto – mulher a alçar o posto de oficial-general das Forças Armada brasileiras.
Pesquisa reforça a agenda da ONU
O estudo do Instituto Igarapé faz parte de uma série de publicações a respeito da agenda da ONU sobre mulheres, paz e segurança (MPS), que trata da participação de mulheres em ações relacionadas à paz e à segurança. Também destaca a abordagem de gênero e a preocupação pelo impacto de políticas em mulheres, homens, meninos e meninas. Este ano, o Brasil lançou um Plano Nacional de Ação sobre a agenda MPS. O Instituto Igarapé foi a única organização da sociedade civil a participar do grupo de trabalho que formulou o plano brasileiro.
O processo de pesquisa que culminou com a elaboração de Situações extraordinárias foi co-financiado pela Embaixada Britânica em Brasília, além do próprio Instituto Igarapé. A publicação é fruto de trabalho de campo com mais de cem entrevistas desenvolvido por quase dois anos nas três escolas de formação de oficiais (Marinha, Exército e Força Aérea.
Mulheres militares em númerosEfetivo de mulheres militares
Participação de mulheres em cada força (Brasil, 2016)
Participação de mulheres oficiais (Brasil, 2016)
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Ministério da Defesa / Instituto Igarapé |