Nova regra para julgar militares em ação de segurança divide opiniões

Medida para dar garantia jurídica às tropas é criticada pela Anistia

Por Ludmilla Lima

O projeto de lei que transfere para a Justiça Militar o julgamento de crimes dolosos praticados por integrantes das Forças Armadas durante ações como as realizadas na Rocinha voltou a criar polêmica depois de aprovado, anteontem, pelo Senado. Na prática, caso a proposta seja sancionada pelo presidente Michel Temer, um militar em operação que mata intencionalmente um civil durante uma missão de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), como a que permite o emprego de soldados na segurança pública do Rio, deixa de ser julgado pelo Tribunal do Júri.

Enquanto entidades ligadas aos direitos humanos classificam a mudança como um retrocesso, antevendo uma falta de transparência nos processos, o Ministério Público Militar defende a alteração nas regras, alegando, inclusive, que a Justiça Militar é “mais célere e rigorosa” do que a Justiça comum.

A Anistia Internacional já acionou seus escritórios em todo o mundo para que sejam enviadas mensagens à Presidência da República repudiando o projeto. Inicialmente, a proposta discutida na Câmara seria válida somente para o período da Olimpíada de 2016.

Sob a competência da Justiça Militar estão os crimes contra a disciplina militar. Já os crimes comuns, contra a vida, como homicídio e lesão corporal, e as violações de direitos humanos, como tortura, se cometidos por militares contra civis, têm que ir para a Justiça comum. Isso é dito pela nossa Constituição e por organismos internacionais de direitos humanos, afirma Renata Neder, coordenadora de pesquisa e políticas da Anistia Internacional no Brasil.

PARCIALIDADE PREOCUPA

Para quem é a favor da mudança, a lei daria mais segurança jurídica às tropas nas ruas. Procurador-geral da Justiça Militar, Jaime de Cassio Miranda diz que o projeto corrige equívocos: hoje, afirma ele, um civil que comete um crime doloso contra um militar é julgado na Justiça Militar, enquanto um militar na mesma situação vai para a Justiça comum. Ele chama de equivocada a medida adotada, a partir de 1996, com base em mudança no Código Penal Militar, em que agentes das Forças Armadas, junto com policiais e bombeiros, passaram a ser julgados na Justiça comum em casos de homicídio e lesão corporal contra civis.

O que os militares fazem não é segurança pública. É uma atuação que vem do reconhecimento de que se esgotou o poder da segurança pública. Enquanto há segurança pública, não tem por que se aplicar a Garantia da Lei e da Ordem, afirma o procurador-geral. O projeto de lei não é para proteger, mas, sim, para dar segurança jurídica ao soldado, para que ele seja julgado dentro do contexto de atividade militar.

Miranda diz ainda que a “Justiça Militar não pertence às Forças Armadas”, completando que ele próprio é civil e entrou no Ministério Público Militar por concurso. No Superior Tribunal Militar (STM), dos 15 integrantes da Corte, dez são militares. Professor de Direito da Fundação Getulio Vargas, Michael Mohallem é da opinião de que a mudança na forma dos julgamentos traz “sombra” aos processos.

Quando o uso das Forças Armadas em áreas urbanas passa a ser relativamente normalizado, a chance de matar alguém se torna muito mais concreta. E há receio dos militares em relação à parcialidade da Justiça comum, o que é totalmente infundado. Muitos juízes são conservadores em casos de homicídio doloso envolvendo PMs. Não consigo imaginar que seria diferente com os militares, analisa Mohallem. A mudança vai criar dúvida permanente sobre qualquer julgamento. A regra atual é importante para garantir imparcialidade e mais transparência, superando resquícios da ditadura.

FONTE: O Globo

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