As operações aéreas em um Navio Aeródromo apresentam um elevado nível de perigo. São necessárias atenção e concentração constantes – os erros não são admitidos, tampouco perdoados.
Texto do Capitão-de-Fragata Rômulo Brandão Maia, publicado na Revista da Aviação Naval n° 70.
Ao mesmo tempo em que se requer conhecimento e calma para o cumprimento dos procedimentos padronizados, são necessários dinamismo e rapidez na condução dos eventos.
O convoo é guarnecido por militares de experiências distintas, cada qual com atribuições específicas e interdependentes. Nesse sistema complexo, três ingredientes não podem faltar: adestramento, experiência e motivação.
A Marinha do Brasil, ao final do ano 2000, finalizou o processo de reativação da asa fixa com a operação a bordo do NAeL Minas Gerais (A 11).
Tal operação foi cercada de cuidados, planejada e conduzida de forma profissional, meticulosa e segura, culminando com o cumprimento da missão com absoluto sucesso, algo que muitos duvidavam à época.
Cada passo foi detalhadamente planejado, as Vistorias de Segurança de Aviação (VSA) foram inúmeras e específicas, focando o próximo passo que seria dado.
O PAD-CIASA foi intenso e longo, deixando a tripulação em excelente nível de adestramento para operação com helicópteros. Todos sabiam como e quando deveriam executar sua tarefa. As VSA enfocaram inicialmente a operação diurna e noturna com helicópteros, posteriormente a operação com aviões para toque e arremetida e arremetida no ar e, finalmente, o enfoque foi o enganche e a catapulta. Todos os passos foram precedidos por VSA estáticas.
Foram planejadas e executadas comissões específicas para arremetidas no ar e toques e arremetidas com os aviões, aclimatando paulatinamente o pessoal envolvido com as operações de asa fixa.
Agora, nosso desafio passa ser a retomada das operações aéreas no NAe São Paulo. Será que estamos mais ou menos preparados em relação àquela CATRAPO de 2000 a bordo do saudoso “Minas”?
Respondo sem medo de errar, estamos menos preparados! E por quê? Explico através de dois dos três ingredientes citados anteriormente: experiência e adestramento.
Na operação no nosso “Minas”, havia um número considerável de oficiais e praças do Departamento de Aviação e do Grupo de Operações Aéreas com grande experiência no Navio, inclusive na operação de asa fixa com os P-16 da Força Aérea Brasileira.
Muitos desses militares tinham longo tempo de bordo e uma cultura de segurança de aviação bem sedimentada ao longo dos vários anos de operação. Também em termos de experiência, a CATRAPO/2000 contou com o embarque de uma equipe de convoo e catapulta (incluindo um oficial de lançamento) de ex-militares da US Navy e de dois militares da Armada da República Argentina com experiência em catapulta e aparelho de parada, adquirida abordo do ARA 25 de maio.
Completando a equipe, tínhamos como Oficial Sinalizador de Pouso (OSP), um ex-militar da US Navy com grande experiência. Entretanto, a experiência não seria o suficiente para garantir o sucesso.
Vamos então ao adestramento, fator em que incluo também o processo de aprendizagem de várias peças-chave do complexo sistema das operações aéreas em NAe.
Em primeiro lugar, inúmeros oficiais e praças foram enviados para navios aeródromos norte americanos para acompanharem e participarem de operações aéreas. Tais estágios foram de duração variável, sendo que alguns oficiais fizeram um “deployment” completo de seis meses de duração, chegando a se qualificar em “operador de convoo” e “oficial de serviço na torre”.
Por ocasião da CATRAPO/2000, os dois oficiais da torre tinham experiência no navio e receberam intenso adestramento na US Navy, além de terem passado por um PAD-CIASA e várias VSA.
No convoo, Centro de Operações Aéreas (COA) e Centro de Controle de Aproximação (CCA), militares com experiência similar aos oficiais da torre tornavam as coisas mais fáceis.
Mas isso não era o suficiente. Era necessário contato com o avião e com o próprio Esquadrão VF-1. A partir do momento em que essa necessidade foi observada, inúmeros adestramentos teóricos e práticos foram conduzidos na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia (BAeNSPA), de forma que todos os militares que guarneciam o convoo tivessem a oportunidade de conhecer de perto o avião e os perigos a ele associados. Treinamos táxi, “pushing back”, passagem de acessórios de catapulta (cabresto e “hold back”), reabastecimento de combustível, combate a incêndio e resgate do piloto e, o mais importante, começamos a ganhar confiança e ter a certeza de que seria possível cumprir a missão.
A bordo do “Minas”, treinávamos exaustivamente os procedimentos de catapulta e recolhimento recém-confeccionados e preparávamos as curvas de desempenho da catapulta através de lançamentos de cargas estáticas. A cada dia, a confiança aumentava em uma equipe unida e adestrada por um PAD-CIASA e várias VSA rigorosíssimas, somada ao conhecimento adquirido no exterior por inúmeros militares.
Chegou o dia do suspender, estávamos prontos e confiantes, mas algo ainda era necessário, sendo solicitado pelo navio e aceito pelo escalão superior. Após o primeiro pouso, queríamos três dias de mar para adestramento com o avião. Tal decisão se mostrou acertada e fundamental para o sucesso da missão.
Após o pouso, executado por um ex-militar da US Navy, tivemos a oportunidade de treinar exaustivamente os procedimentos e, principalmente, as emergências de catapulta. Foram três dias do nascer ao pôr-do-sol com o Departamento de Aviação em condição uno. A equipe americana simulou absolutamente todas as condições de emergência possíveis e ocorrerem.
Sedimentamos os procedimentos, adestramos táxi, “pushing back”, sinalização, passagem de cabresto e “hold back”, troca de cabo do aparelho de parada e abastecimento de combustível e de oxigênio líquido. Ao final daqueles três dias, o Chefe do Departamento de Aviação (CHEAVI) “deu o pronto” ao Comandante do “Minas”. Realmente estávamos prontos para enganchar e catapultar nossos AF-1 pilotados por Aviadores Navais brasileiros.
Pensando agora no CATRAPO/2009, visualizo que a situação não é muito diferente da CATRAPO/2000. No meu modo de entender, a Marinha irá enfrentar um novo processo de reativação da asa fixa a bordo do NAe, pelo menos isso seria a maneira adequada e mais segura de abordarmos o problema.
É certo que existem alguns fatores de força em relação ao feito do início do século, quais sejam: o São Paulo é um navio maior e com mais recursos e nossos pilotos adquiriram mais experiência. Em contrapartida, temos fatores de fraqueza: a experiência da tripulação é muito menor em função da rotatividade de pessoal, do longo tempo de inatividade do navio e do não aproveitamento de muitos militares com experiência que se encontram afastados do NAe.
Os Oficiais ligados às operações aéreas têm pouca experiência em operação de NAe, sendo que a sua grande maioria nunca se fez ao mar com o navio. Vários oficiais e praças detentores de grande conhecimento estão pulverizados por vários setores da MB e alguns já não se encontram mais no serviço ativo.
A bem da verdade, hoje em dia torna-se difícil se montar uma comissão de inspetores de CIASA com conhecimento adequado em operação de NAe. A equipe deve ser verdadeiramente “garimpada” nas várias OM da Marinha.
Ficam ao final deste artigo algumas sugestões que poderão facilitar o retorno seguro de nossos aviões e helicópteros ao NAe São Paulo:
- Condução de todo o PAD-CIASA enfocando, inicialmente, apenas operação com helicópteros;
- Condução de VSA distintas para cada objetivo que se deseje atingir;
- Planejamento de comissões específicas e exclusivas para operação com asa fixa, após o navio estar aprovado em CIASA para operação com helicópteros, iniciando-se por arremetidas no ar e toques e arremetidas até chegarmos ao enganche e catapulta, com assessoria de Comissão de Inspeção montada para esse fim;
- Adestramento intenso em São Pedro da Aldeia para os militares do Departamento de Aviação;
- Contratação de equipe de convoo e OSP da US Navy para adestrar os militares do convoo/OSP do VF-1 e supervisionar as primeiras operações com AF-1;
- Montagem de equipe de CIASA com militares experientes em operação de NAe, buscando nos vários setores da Marinha;
- Tratar o problema asa fixa de forma separada e após o pessoal de convoo e torre estarem “safos” para operação com helicópteros;
- Comprometimento geral de todos os setores da Marinha no sentido de “liberar” o pessoal com experiência para participar de PAD-CIASA do navio;
- Enviar militares do Departamento de Aviação para estágios em NAe da US Navy, principalmente Chefe e SubChefe do Departamento, oficial de lançamento, oficial e líder de crache, praças RV de convoo e catapulta e oficial do convoo; e
- Após o primeiro enganche realizar adestramento com o avião a bordo similar ao realizado no “Minas” em 2000.
Como última mensagem, fica a necessidade de encararmos o problema de forma semelhante ao que foi feito quando da reativação da asa fixa e tentarmos repetir o sucesso alcançado naquela ocasião, contando com o comprometimento e apoio de todos os setores da Marinha do Brasil envolvidos direta ou indiretamente.
NOTA do EDITOR: Com a notícia do primeiro voo do AF-1B Falcão (A-4 KU Skyhawk II), muitos dos nossos leitores nos perguntaram sobre a retomada das operações aéreas embarcadas de asa-fixa no NAe São Paulo. Por este motivo, resolvemos reproduzir esta matéria do Comte. Rômulo Brandão, publicada na Revista da Aviação Naval (RAN), onde o mesmo descreve alguns dos desafios que a Marinha do Brasil ainda teria para retomada das operações no NAe. Esperamos que seja útil à todos.