Por Luiz Antônio Rezende Lima – Cel Av Ref
Em cumprimento a uma OFRAG do COMAT durante o exercício “Operação Órion Ataque”, no início da noite de 28 de junho de 1984, um elemento de aeronaves AT-26 Xavante do 1°/4° GAV, Esquadrão Pacau, decolou de Uberlândia (base do país Verde), para uma missão de ataque à Base Aérea de Anápolis (base do país Azul). A missão fazia parte de um conjunto de ataques simultâneos àquela área, buscando saturar a defesa aérea, cujos vetores de intercepção eram compostos de F-5E Tiger ll e F-103 Mirage, baseados naquela Base Aérea.
Liderava o elemento de AT-26, guarnecendo o FAB 4624, o Cap Gontijo (Piloto de Caça de 1976 no Esq. SETA), tendo como seu ala o Ten Bessa (Piloto de Caça de 1982). A “Operação Órion Ataque” foi a primeira realizada por aeronaves de ataque, cumprindo, no deslocamento noturno para o objetivo, um perfil HI-LOW obrigatório, com a finalidade de proporcionar, durante a etapa HI, o treinamento de detecção e interceptação pela Defesa Aérea e, quando próximo do alvo, durante a etapa LOW, o treinamento de navegação a baixa altura e ataque (noturno!) do incursor.
A navegação por contato era realizada utilizando-se a carta WAC 1:1.000.000, não confiável para aquele tipo de navegação, principalmente em período noturno e a baixa altura, mas era o que existia disponível à época. Seguindo a Ordem de Operações, nas incursões noturnas era utilizado o mínimo indispensável de luzes externas, de modo a não facilitar a identificação visual pelas aeronaves de interceptação. Quando operando isolada, a aeronave ficava totalmente apagada. Quando operando em elemento, a aeronave do Líder permanecia somente com o beacon inferior em FIX/DIM, e o Ala, que voava em Ataque 2, totalmente apagado. No deslocamento para o objetivo o elemento estava sob o controle do ACC-BRS, código CAPITAL, em frequência específica para a operação, a qual, como acordado no briefing do elemento, foi selecionada no VHF 2, assim como o seriam as frequências dos outros órgãos de controle quando requeridas, ficando o VHF 1 reservado para a frequência do canal tático.
O tempo em Goiânia estava bom, com visibilidade 9999 e cobertura de 3CU030. Anápolis estava CAVOK. Com a fase de Lua Nova a noite estava bastante escura. Próximo ao alvo, seguindo o perfil traçado de navegação, obedecendo a um padrão de mudança de cursos para o ponto de início da navegação a baixa altura, o elemento iniciou sua descida, com o Ala posicionado em Ataque 2 na esquerda, um pouco afundado para melhor visualizar o beacon inferior do Líder. Nesta etapa da navegação já era visível, pelo elemento incursor, a ação dos caças interceptadores. O beacon daquelas aeronaves eram avistados passando ao lado e acima do elemento, quando efetuavam uma curva sobrevoando-o, umas passando mais próximas, outras mais afastadas.
N.R.: No início da Operação Órion, os Interceptadores voavam “Cobrinha Radar” de Elemento, com uma a duas NM de separação, ambos com todas as luzes apagadas! Às 20:10h, quando se aproximava da altitude de nivelamento, na altura das coordenadas 17° 08’ S / 048° 58’ W, aproximadamente a 55 milhas ao sul de Anápolis, o Líder teve a sensação de que algo passou sobre o elemento, sentiu uma forte turbulência e sua aeronave bruscamente deu uma guinada para a esquerda, começando a girar em descida, movimento de giro similar a um tonneau de “G”. Sem referências visuais, desconhecendo a causa da desestabilização da aeronave e candidato a uma desorientação espacial, em um “culhonésimo” de segundo fez uma leitura parcial do painel de instrumentos, verificando bolinha espirrada para a esquerda, incremento da velocidade, perda de altitude, CLIMB negativo e horizonte artificial girando para a esquerda, predominando o marrom – pitch negativo. Treinamento pretérito sob capota, quase instintivo, para sair de um possível parafuso ou atitude anormal em condições IMC, já ao final do segundo giro “chutou” a bolinha – pedal esquerdo a fundo – colocando-a próxima ao centro. Mantendo a perna esquerda retesada para se contrapor à forte pressão demandada pelo pedal esquerdo, que estava no batente, utilizou o comando de aileron para a direita, como em uma glissada, cessando a rolagem. Ainda com pitch negativo, para nivelar a aeronave iniciou rapidamente um movimento de arfagem (cabrando), provocando novamente uma rolagem para a esquerda. Com o comando de aileron já no batente à direita e não podendo aliviar o pedal esquerdo, cedeu o nariz parando o rolamento. Prosseguiu trabalhando com uma menor amplitude de cabrada até conseguir nivelar.
O Ala, simultaneamente ao Líder, também sentiu algo passar sobre eles e foi sacudido por uma forte turbulência, quando, de súbito, viu o Líder girar bruscamente para cima dele e entrar em uma espiral descendente. Ato reflexo, puxou o nariz para cima girando à esquerda, ficando quase no dorso, buscando posição de cobertura para checar as seis horas. Quebrando o silêncio rádio informou no tático, “Alguém passou em cima da gente”. Não obteve resposta e o LÍDER desapareceu na escuridão. Continuou a chamá-lo no tático, sem sucesso. Com grande dificuldade em voar a sua aeronave, o Líder colocou todas as luzes externas em máximo e tentou contatar o Ala no tático. Sem obter retorno depois de várias chamadas, trocou para o VHF 2, chamou CAPITAL e, ao estabelecer contato, declarou emergência. O Ala, ao ouvir o Líder no canal utilizado na incursão, trocou para o VHF 2, estabelecendo a comunicação aeronave/aeronave e aeronaves/ órgão de controle. Ato contínuo, para dar prosseguimento aos procedimentos de emergência, CAPITAL comandou a troca de frequência para o canal de THOR (COPM).
O Líder, agora uma aeronave em emergência, informou ao THOR estar abaixo de 4.500 pés, havia conseguido sair de uma espiral descendente ou parafuso, não sabia ao certo o quê e o porquê, só conseguia manter a aeronave estabilizada com os comandos trocados e em baixa velocidade – se a aumentasse o avião tendia a rolar para a esquerda – e para curvar só pela esquerda, mas com muito esforço. Na situação em que se encontrava, pretendia se ejetar naquela posição. O Ala solicitou ao Líder que ganhasse altitude, pois ele estava abaixo da altitude mínima de segurança da área, que naquele quadrante era 4.500 pés (1.000 pés acima do terreno), e sugeriu que aguardasse a sua aproximação para poder examinar a situação da aeronave, buscando identificar o que estava a causar aquela instabilidade.
Uma aeronave F-5 que se encontrava na área e no mesmo canal de THOR se ofereceu para prestar auxílio, o que foi descartado. Posteriormente vieram a saber que era o CAÇADOR que tentou interceptá-los momentos antes. Vetorado pelo THOR o Ala se reuniu ao Líder pela direita e, naquela posição, nada foi observado. Solicitou que ele diminuísse suas luzes, que estavam lhe ofuscando, e começou a escalonar para a esquerda, analisando toda a parte inferior das asas e fuselagem, – carenagens, flap de mergulho, tiptanks, ailerons, flaps, tanques subalares, portas do trem de pouso, na tentativa de entender, descobrir ou reconhecer o motivo da aeronave estar desestabilizada. Como nada foi detectado, recuou um pouco na posição e escalonou de volta para a direita, observando a estrutura da empenagem, responsável pela estabilidade longitudinal e direcional da aeronave, e seus estabilizadores horizontal e vertical.
Ao mirar neste último, demorou um pouco para reconhecer que havia algo de diferente, e informou ao líder que a parte superior do seu estabilizador vertical e do leme direcional estavam diferentes, aparentavam estar achatados, bem como não havia sinal das antenas do VHF 1 e do VOR, o que explicava o fato de eles não conseguirem se comunicar pelo tático. Identificada a possível causa, o Líder passou a ponderar entre ejeção ou prosseguir e tentar o pouso. Encontrava-se entre Goiânia e Brasília, no rumo de Anápolis, voando em condições marginais de controlabilidade, executando uma glissada frontal para manter a aeronave estabilizada, um voo não coordenado, aerodinamicamente ineficiente, que gera mais arrasto sem produzir sustentação, e utilizada normalmente em aproximação para pouso para aumentar a razão de descida (perder altura) sem aumentar a velocidade. Para prosseguir até Anápolis, balanceando a rolagem para a direita com a guinada do leme para a esquerda e com ambos os comandos já no batente, teria pouca ou nenhuma margem para manobrar na rota até a zona do aeródromo, enquadrar uma longa final ou efetuar um possível pilofe para entrar na perna do vento da cabeceira 06L.
No deslocamento, glissando, teria de manter a altura e a aeronave nivelada voando com um ângulo de arfagem acentuado para se contrapor à tendência de afundar, em função do arrasto dessa condição aerodinamicamente “suja”. Em paralelo, manter o leme no batente estava a exigir um grande esforço de sua perna esquerda, pelo fato de ela estar com a musculatura debilitada. Apesar de mantê-la hirta, tremendo devido ao esforço, estava com grande dificuldade em permanecer com o pedal esquerdo a fundo.
Nota do Autor: Um mês antes de deslocar-se para a manobra o piloto havia rompido ligamentos do joelho esquerdo, permanecendo, naquele período, com a perna imobilizada, retirando o gesso apenas dias antes da viagem. No tocante à opção de ejetar-se, seria uma ejeção noturna, a baixa altura e em um lugar ermo, com a aeronave descontrolada, possivelmente girando, era o que esperava quando soltasse os comandos de voo para se posicionar e acionar a alça de ejeção. Decidiu, então, prosseguir até Anápolis e tentar o pouso. A ejeção passou a ser a última opção.
Enquanto isso na Base Aérea de Anápolis, após o Líder ter declarado emergência, o helicóptero SAR, Pelicano 07, foi acionado e decolou. Durante o acionamento houve uma falha de coordenação entre os órgãos de controle. As instruções para o Pelicano 07 deveriam partir do controle Anápolis, TABA, mas este órgão não tinha conhecimento da evolução dos acontecimentos. Foi instruído, então, a passar direto para a frequência do THOR. Todavia, por voar baixo e estar afastado, não conseguiu estabelecer contato naquela frequência, ficando aproximadamente seis minutos após a decolagem sem saber para onde se deslocar.
O helicóptero SAR e a aeronave em emergência chegaram a se cruzar, em proas opostas, sem se avistarem e, por solicitação do COPM a aeronave em emergência até fez uma ponte entre aquele órgão de controle e o SAR. Ingressando na CTR Anápolis, a transferência do controle da aeronave em emergência do COPM para TABA foi feita no mesmo canal de operação em uso naquele momento por outras aeronaves, congestionando o canal e acarretando o envolvimento, com a emergência, de quatro aeronaves que estavam sendo recolhidas, bem como de pessoas com equipamento e acesso àquela frequência, permitindo que interferissem nas comunicações.
No afã de ajudar, instruções ao piloto foram transmitidas sobre “faça isso ou aquilo”, atrapalhando e influindo em suas decisões, sem que se soubesse o que ocorria com a aeronave, qual a avaria e extensão sofrida e quais as condições do piloto.
Quanto à incógnita sobre a reação da aeronave ao baixamento dos flaps e trem de pouso, foi-lhe sugerido manter a velocidade que estava a permitir o voo estabilizado, mesmo se acima dos limites estruturais dos flaps e do trem de pouso. Se a estabilidade não fosse comprometida ao acioná-los, aquela velocidade deveria ser mantida até o toque.
Próximo à zona do aeródromo o Ala foi liberado para o pouso, pois havia a possibilidade de a pista ficar interditada após o pouso da aeronave em emergência.
Este foi recebido no estacionamento pelo Operações do GDA, Maj. Paulo Cesar, que logo lhe perguntou o que havia acontecido, se haviam colidido em voo. Foi-lhe informado não ter havido colisão, mas que “alguém” havia passado por cima do elemento e provocado algo na empenagem do avião do líder.
A aeronave em emergência cruzou o prolongamento da pista 06L próximo à sua cabeceira, mantendo o rumo norte, e iniciou uma curva à esquerda para ingressar na perna do vento. Para tal só contava com o comando de aileron, aliviando-o do batente à direita e dosando sua amplitude para se adequar ao raio de curva desejado, aplicando um movimento dearfagem para não perder altura e utilizando a potência para manter a velocidade. Como o pedal esquerdo continuava no batente, a aeronave tendia a rolar e afundar quando o comando de aileron era aliviado. Para se contrapor, o movimento de arfagem teve de ser mais efetivo, aumentando o componente do eixo vertical e, em consequência, a carga “G”, o que redundou em uma curva muito apertada, apesar de não ter muita inclinação.
Na perna do vento os flaps e o trem de pouso foram acionados. Ao “sujar” a configuração, a aeronave ficou mais estável, permitindo uma curva base e uma final menos trabalhosa. Cruzou a cabeceira alto e embalada, e arredondou com velocidade como se um rasante fosse, ainda glissando e tentando manter o rumo do centro da pista, vindo a tocar quase no meio dos seus 3.300 m de comprimento, quando só então a velocidade foi reduzida.
Pelo fato de estar com a asa direita muito baixa e o nariz ainda cabrado e apontando alguns graus à esquerda em relação ao sentido do deslocamento, o primeiro toque no solo pátrio aconteceu com a roda direita, e, em consequência, o tanque subalar direito teve a sua aleta direita raspada contra o asfalto. Só então, quando a aeronave em emergência estacionou, pôde-se verificar o que havia acontecido. Estava sem 2/3 do estabilizador vertical e do leme direcional, um pouco acima da primeira braçadeira, com a consequente perda das antenas do VHF1 e do VOR, juntamente com asrespectivas cablagens. Havia, também, um pequeno enrugamento próximo ao leme, na parte superior da fuselagem, aparentemente sem rachaduras.
Com apenas 1/3 do estabilizador vertical, superfície primária que controla a estabilidade direcional, estabilidade em torno do eixo vertical, o equilíbrio aerodinâmico ficou seriamente comprometido. Quando uma aeronave sofre uma glissada ou uma guinada, o estabilizador vertical tem uma mudança no ângulo de ataque, com uma consequente mudança na sustentação (não confundir com a sustentação criada pelas asas). Essa mudança na sustentação, ou força lateral, sobre o estabilizador vertical, cria um momento de guinada sobre o centro de gravidade, o qual tende a retornar a aeronave à sua trajetória original.
No caso em tela, o rolamento (giro) em si e a bolinha espirrada é quase certo terem sido motivados pelo momento de guinada devido à derrapagem (Cn ). A fuselagem tem um momento de guinada Cn “instável”, que faz com que uma derrapagem sempre aumente. O estabilizador vertical/leme entra na jogada para “estabilizar” esse movimento de derrapagem, fazendo o conjunto todo ter uma estabilidade positiva.
Ao perder quase dois terços dessas superfícies não há mais “equilíbrio” em guinada/derrapagem, com comandos em neutro. Uma vez criada a derrapagem, seja pela própria colisão ou pela falta do que foi arrancado, a guinada devido à derrapagem vai sempre se manter, provocando o rolamento. Daí a necessidade que houve de comando de leme no batente, ao “chutar” a bolinha, para iniciar o processo de controle e estabilização da aeronave.
Observando aquela empenagem parcialmente “depenada”, uma grande pergunta veio à tona: o que poderia ter cortado 2/3 do estabilizador vertical e do leme direcional como se fosse uma navalha? Todas as aeronaves acionadas na última hora haviam retornado sem problemas, não houve relato de possível colisão por parte de seus tripulantes e nenhum reporte da manutenção sobre possível avaria em alguma aeronave.
Apesar de nada haver sido informado, não se podia descartar a possibilidade de um F-5 ou Mirage ter colidido com o Xavante durante a interceptação. Como a base ainda se encontrava sob blackout, em alerta contra ataques noturno, munidos de lanterna saímos, alguns pilotos e mecânicos, em direção à linha de voo para vistoriar as aeronaves do 1° Grupo de Caça e do GDA ali estacionadas.
Depois de uma minuciosa procura foi encontrado em um F-5, o FAB 4845, um pequeno arranhão no intradorso da asa direita, algo não muito perceptível naquela escuridão. A aeronave havia voado no tempo anterior, já tinha sido realizado o pós-voo e estava disponível para uma próxima saída. Após rebocá-la para o hangar, em um ambiente com maior luminosidade pôde-se verificar, no meio da asa direita, um arranhão com pequenas mossas no intradorso e pequena deformação com um corte no flap do leading edge, e, no profundor direito, avarias no bordo de ataque e o eixo de atuação empenado.
N.R.: A figura com a montagem das duas aeronaves (mesmo com o F-5 virado para o lado errado, de frente) permite ter uma ideia de quão perto da cabine do AT26 o papo do F-5 passou. Ainda bem que a asa estava inclinada.
Encontrada a aeronave foi identificado o seu piloto na última saída, o Cap Mauro “Sujeira” (Piloto de Caça – Turma de 1976 no ESQD SETA em Natal, no CATRE), do 2°/1° Grupo de Caça. Durante os últimos acionamentos, ele estava em Alerta a Postos de 01:00h, guarnecendo a aeronave, quando foi acionado aos 44 minutospara uma missão de interceptação. Após realizar uma primeira interceptação foi logo engajado em outra, e o seu novo alvo estava em nível mais baixo e descendo.
Os radares utilizados pelo CINDACTA na defesa aérea, o LP 23 e o VOLEX III, operavam normalmente, mas este último operava sem a cobertura de alta. No entanto, na fase final dessa interceptação, tanto o incursor quanto o CAÇADOR estavam na cobertura radar baixa dos dois radares. O radar VOLEX III tridimensional, responsável pela detecção altimétrica, tinha, como característica, naquela distância, uma tolerância de 2.400 pés de variação em torno da altimetria informada, obrigando o COPM a trabalhar com a altitude provável de sinal, já que os incursores estavam com os IFF desligados. Na medida em que o alvo descia, essa capacidade era degradada.
Em função do tempo de varredura da antena (ciclo de 10 segundos naquela época) e do processamento dos dados para atualizar a informação no console do COPM, uma discrepância aproximada de uma (01) milha 1.852 metros se apresentava entre a distância visualizada no COPM e a distância visualizada pelo CAÇADOR em seu radar AN-APQ-153, equipamento este que apresentava restrições1 para interceptações AWX2. Na fase final da interceptação, quando o COPM informou seis (06) milhas, o CAÇADOR contestou, informando ter cinco (05) milhas. Essa defasagem era encarada normalmente, por pilotos e controladores, durante os treinamentos.
Neste contexto, quando na aproximação final, o CAÇADOR informou estar a uma (01) milha ainda sem avistar o objetivo. Naquele momento o COPM teria em seu console, possivelmente, duas (02) milhas de indicação de distância, considerando-se a divergência de uma (01) milha já relatada, bem como uma separação vertical provável de sinal de 2.000 pés, parâmetros de separação a serem mantidos pelo fato de o CAÇADOR não ter dado “JUDITE”, ou então comandado o abandono.
No entanto o CAÇADOR foi orientado a fazer “SITE” negativo (varredura radar abaixo da linha do horizonte), mas o piloto ainda tinha o contato radar e ao olhar para baixo avistou o possível alvo, o que foi confirmado pelo COPM. A partir do contato visual, o CAÇADOR assumiu o prosseguimento da interceptação ao dar o “TÁ COMIGO”. Em sequência, ele curvou aproando o alvo e descendo, tentando acoplálo com o radar, buscando condições de um melhor posicionamento da antena, para aferição e possível tiro míssil, mas com a atenção dividida pelo voo por instrumento, pela visualização do visor/radar e pela manutenção do contato visual com o alvo. Com o acúmulo de tarefas na nacele, em uma distância provavelmente menor que uma (01) milha e com uma razão de aproximação de 0.2 MACH (152,24 kt), o CAÇADOR, já com todos os parâmetros de anticolisão separação vertical e horizontal comprometidos, perdeu a condição de visual com o alvo, vindo com ele a colidir sem a percepção do ocorrido.
Após os plotes confundidos, o COPM reassumiu a navegação. Não havendo mais alvo a ser interceptado, o CAÇADOR iniciou o processo de recolhimento, quando, no mesmo canal, foi ouvida uma aeronave declarando emergência, e este logo se pôs à disposição para ajudar, o que foi declinado.
Posteriormente veio a saber que a aeronave em emergência era a mesma que ele havia acabado de interceptar. O CAÇADOR prosseguiu o voo para Anápolis, onde pousou normalmente. Este relato nos relembra a lei de Murphy: “Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível.”
Apesar das medidas de segurança adotadas para minimizar a possibilidade de colisão em voo durante a operação, riscos de colisão permaneceram associados: à pouca iluminação nas incursões noturnas; ao diferencial de velocidade entre interceptador e incursor; à pouca definição de altitude pelo radar VOLEX III; a interceptações com o alvo sem IFF e em baixas altitudes, onde a qualidade de detecção radar era mais degradada; e ao restrito equipamento radar do F-5E para interceptação AWX, associado aos parâmetros de separação e abandono estipulados para outro tipo de equipamento de bordo (o radar CIRANO II-A, do F-103E).
Neste caldo de fatores contribuintes, se alguma coisa podia dar errado, deu. E mais, deu errado da pior maneira, no pior momento e de modo que quase causou o maior dano possível, uma colisão entre três aeronaves. No final, apenas um pássaro ferido, que foi salvo pelo seu piloto, que ficou com a lembrança do que sobrou do seu leme como troféu! O modo como o piloto Líder enfrentou a desestabilização instantânea de sua aeronave, nos remete ao treinamento que tínhamos em Fortaleza, no 1°/4° GAV, para sair de atitudes anormais, atendendo recomendação de investigações de acidentes, nos quais o piloto entrou em atitude anormal e se ejetou.
Uma dessas ejeções aconteceu no estande de Maxaranguape. Ao recuperar de um bombardeio picado, o piloto entrou em uma formação de cúmulos que se encontrava na perna do vento do circuito, desorientou-se e ejetou. Para aprender a lidar com a desorientação espacial e sair de atitudes anormais, ao término das missões de treinamento de VI sob capota na nacele traseira, o piloto da nacele dianteira assumia os comandos e fazia uma série de manobras, com cargas “G” pesadas, tonneaux rápidos e até parafuso, deixando a aeronave em uma atitude anormal (parafuso acelerado, pré estol de badalo, etc.), e devolvendo os comandos ao piloto que continuava sob capota na nacele traseira. Este tinha que identificar rapidamente, através dos instrumentos, a situação da aeronave e manobrar para colocá-la em voo reto e nivelado. De todos os parâmetros, o mais urgente, mas, se necessário, simultâneo a outros, era chutar a bolinha se estivesse espirrada. Foi a primeira reação do piloto líder para estabilizar sua aeronave.
Do episódio ninguém saiu machucado, apenas todos bastante assustados, inclusive o CAÇADOR ao ter ciência do que havia acontecido. A sensação era como se de novo tivessem nascido. Após a experiência, os três pilotos se reuniram no bar do GDA com seus colegas para “bebemorar” a nova data de nascimento.
Entre cervejas e afterburners, brincadeiras e gozações, cantos do “pópó-pó” e gritos de “A la chasse”, a partir daquela experiência episódica ficou instituído o “Tigre 3”:
“Se o míssil (Tigre 1) não resolver e o canhão (Tigre 2) falhar, prossiga para o “mano a mano” (Tigre 3) e abata seu inimigo”.
Autor: Piloto de Caça em 1975, no ESQD SETA, com AT-26, no CATRE, em Natal.
1 – AN-APQ-153: Só permitia a acoplagem (para ter informações precisas de distância e envelope do armamento) no eixo do interceptador. Era necessário manter o radar “varrendo” até a fase final da interceptação.
2 – AWX: All Weather Interception – Interceptação a qualquer tempo.
Fonte: ABRA- PC Notícias. Nº 135JUL/AGO2019