Haiti nunca estará 100%, diz brasileiro comandante de tropas de paz da ONU

O general brasileiro Ajax Porto Pinheiro é o atual responsável pela Missão de Paz no Haiti

Por Fabiano Maisonnave e Danilo Verpa

A poucas semanas de partir, o comandante militar da Minustah (missão de paz da ONU no Haiti), general Ajax Porto Pinheiro disse que o país “nunca estará 100%”, mas afirmou que chegou a hora de “perder a tutela”.

“O Haiti é como um avião pequeno preparado pra voar, e a ONU agora diz: ‘Ensinei vocês a pilotarem, está aqui o avião. Eu vou sair. Este avião pode decolar ou pode taxiar, ir pra direita e ser desmontado'”, afirmou o último comandante da Minustah, iniciada em junho de 2004.

O general brasileiro ressaltou que a chegada da ONU trouxe maior estabilidade política ao país. Mencionou alguma vezes que, nos 18 anos anteriores à Minustah, o Haiti teve 15 presidentes. Desde então, comparou, foram três presidentes eleitos pelo voto direto e um pelo Parlamento.

“Eles passaram 13 anos bem. Acho que têm condições e é hora de trabalhar, de perder a tutela da ONU”, afirmou o comandante brasileiro a jornalistas em Porto Príncipe. Por outro lado, o general afirmou que “o Haiti nunca estará 100%”. “Se a ONU fosse esperar que o Haiti estivesse 100% preparado, talvez tivéssemos que ficar aqui mais duas décadas.”

Outro avanço apontado pelo general foi o treinamento da Polícia Nacional Haitiana (PNH), que passou de cerca de 5.000 agentes, em 2004, para os quase 15 mil atuais.

O presidente haitiano, Jovenel Moise, foi eleito em novembro após um tumultuado processo de votação que se arrastou por quase dois anos,
marcado por acusações de fraude e pela passagem do furacão Matthew, que matou mais de 800 pessoas. O pleito, com 27 candidatos, atraiu apenas 21% do eleitorado.

Mais tarde, à Folha, Pinheiro disse que o Haiti tem “geradores de instabilidade” fora do escopo da ONU. “O país continua em grave crise com a falta de energia, de água potável e de empregos.”

“Outro fator que gera muita instabilidade são os grandes desastres naturais. Quando atingem o Haiti muito violentamente, a população perde o seu meio de subsistência e vai protestar de violenta. Aí é uma bola de neve.”

A missão da ONU comandada pelo Brasil teve de enfrentar, além da instabilidade política, grandes desastres naturais. No pior deles, em janeiro de 2010, um terremoto atingiu a capital, Porto Príncipe, e deixou cerca de 200 mil mortos, incluindo 18 militares brasileiros.

A Minustah termina oficialmente no dia 15 de outubro. Já os cerca de 950 militares brasileiros encerram as atividades nesta quinta (31). A maioria deve voltar ao Brasil nas próximas duas semanas.

No lugar da Minustah, haverá uma missão menor, a Minujusth (Missão das Nações Unidas para o Apoio à Justiça no Haiti). Sem componente militar e com contingente de cerca de 1.200 policiais e civis, continuará o treinamento de policiais e reforçará o sistema judiciário.

Para o general, a Minustah encerra também um importante capítulo da história militar brasileira, que enviou ao todo 37.500 ao Haiti homens desde 2004. Nós só mandamos mais tropas pro exterior em missão real na Guerra de Tríplice Aliança [Guerra do Paraguai, 1864-1870]”, disse.

CÓLERA

Questionado sobre a epidemia de cólera, trazida por soldados nepaleses da ONU e que matou pelo menos 9.000 haitianos desde 2010, o comandante da Minustah disse que se trata de um tema “sensível”, mas evitou culpar os capacetes-azuis pela tragédia humanitária.

“Esse é um tema sensível, inclusive há protestos até hoje, é algo que nos incomoda. O que a ONU reconheceu é que ela não atuou com a eficácia que devia ter atuado após a epidemia”, afirmou.

Em discurso à Assembleia Geral no ano passado, o então secretário-geral, Ban Ki-moon, não admitiu a origem da epidemia, limitando-se a dizer que a ONU não fez o suficiente para conseguir conter a doença. A ONU vem tentando levantar recursos para mitigar o estrago provocado pela epidemia, mas sem sucesso.

“Eu admito o que a ONU admite. Como não tenho os dados exatos do problema, tenho o que a imprensa falou”, disse. “Mas, se foi [culpa da ONU], não se justifica. Esse país já tem problemas demais.”

FONTE: Folha de São Paulo

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