Estudo aponta SMS como resposta para incursão em pista

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Qualquer ocorrência em um aeródromo que envolva a presença incorreta de aeronave, veículo ou pessoa na zona protegida e reservada a pousos e decolagens, caracteriza uma incursão em pista. Esse é o conceito da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), que está valendo para todos os países-membros desde 2004. Antes, cada Estado adotava a sua própria definição, o que dificultava programar medidas preventivas direcionadas para a segurança operacional da aviação.

Falhas ou erros de pilotos, pedestres, condutores de veículos e controladores de voo são as causas das incursões em pista. Tais situações ocorrem quando regras de tráfego aéreo não são observadas. Se no momento da decolagem, outra aeronave cruzar a pista em uso, sem a devida autorização da torre de controle pode representar um risco. Também a entrada de pedestres ou veículos na pista de pouso e decolagem, ou ainda, no caso de serviços de manutenção e no reposicionamento de aeronaves no pátio de manobras, sem comunicação, constituem perigos iminentes à atividade aérea.

As incursões em pista recebem uma classificação de acordo com os tipos de ocorrências, ou seja, aquelas que são provocadas por uma cadeia de eventos que inclui a participação de pilotos, controladores, pedestres e motoristas. São levadas em conta ainda a gravidade  no seu potencial de risco e quanto à frequência em relação ao número de incursões. Os maiores causadores de acidentes aeronáuticos por incursão em pista estão relacionados à cabine de comando das aeronaves, à infraestrutura aeroportuária e ao controle de tráfego aéreo.

As runway incursions – assim reconhecidas no cenário internacional – são ameaças constantes à segurança de voo mundial. A probabilidade de ocorrer eventos negativos se deve ao crescimento do volume de tráfego aéreo e, consequentemente, maior número de movimentos aéreos nos aeródromos. Por conta disso, aumenta a preocupação dos órgãos responsáveis pelo monitoramento da segurança da atividade aérea no Brasil, a exemplo do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) e da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

Gestão SMS

Para o investigador do CENIPA, Tenente-Coronel Aviador Alexander Coelho Simão, que acaba de defender sua dissertação de mestrado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) sobre o tema Mitigando incursões em pista com o SMS, devido ao volume e a complexidade da aviação, o método tradicional na solução do problema se mostra cada vez menos eficiente. Ele sugere um modelo de gerenciamento, com base nos fundamentos do Safety Management System – SMS (Sistema de Gerenciamento da Segurança), que permite identificar fatores de risco antes que os acidentes aconteçam e antecipar medidas corretivas.

Atualmente há duas percepções na abordagem da incursão em pista pelo gerenciamento da segurança operacional reconhecidas pela OACI e pelo próprio CENIPA. Segundo o Tenente-Coronel Aviador Alexander, a prática tradicional diz respeito à reação imediata frente aos eventos indesejáveis, com medidas corretivas, na tentativa de evitar que os riscos voltem a ocorrer.  Já a prática moderna propõe migrar do campo da reação para a antecipação aos eventos e com base em experiências do passado, visualizar o cenário e interferir antes da caracterização dos fatos.

O SMS é incentivado como uma evolução no acompanhamento da segurança de voo, pois ele contempla a identificação de sinais de alerta  no ambiente operacional da aviação e combina a aplicação de ações corretivas que venham a eliminar ou mitigar o potencial de risco. Além disso, exige a supervisão permanente, bem como a avaliação periódica do nível de segurança alcançado, explica o investigador Alexander.

Dados do CENIPA registraram nos últimos cinco anos cerca de 1.100 incursões em pista nos aeródromos brasileiros, considerando apenas aquelas ocorrências notificadas. Diante do risco a que estão expostos os aeródromos, o Tenente-Coronel Alexander destaca: “É necessário divulgar o conceito de incursão em pista entre os operadores, construir um banco de dados e desenvolver uma cultura de segurança para mitigar tais ameaças.”

“Melhor prevenir do que remediar” é a mensagem do modelo SMS, que tem se destacado no reconhecimento pelos provedores de serviços de transporte aéreo em nível mundial. A nova prática conta com a recomendação da OACI, que considera uma poderosa ferramenta de segurança de voo. A FAA (Federal Aviation Administration) defende o SMS como uma solução, cujo modelo foi acolhido pela ANAC com a expressão Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional (SGSO).

Situação atual

Estudos sobre a evolução do Transporte Aéreo do Brasil, realizado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, informam que o crescimento estimado para a demanda da aviação comercial brasileira, nas próximas duas décadas, pode chegar a  números superiores a 300 milhões de passageiros por ano, valor que representa três vezes mais o atual. Esse acentuado crescimento resultará em significativo movimento de aeronaves nos aeroportos.

Dados divulgados pelas pesquisas realizadas pelo Comitê Nacional de Segurança da Aviação Civil, do Canadá (Transport Canada) indicam que o aumento de 20% no número de pousos e decolagens em um aeroporto pode representar um crescimento de até 140% de probabilidades de riscos de colisões por incursão em pista. Portanto, esse potencial de risco se eleva em sete vezes mais, exigindo o monitoramento da atividade aérea e a busca de soluções para minimizar o problema.

“No contexto atual, caso medidas preventivas eficazes não sejam tomadas de imediato, o número de incursões em pista atingirá níveis alarmantes nos aeroportos brasileiros, aumentando, sobremaneira, a possibilidade de eventos catastróficos”, alerta o Tenente-Coronel Aviador Alexander Simão. Vale citar que nos Estados Unidos o número de incursão em pista tem crescido mais do que a atividade aéra, porém isto tem facilitado a identificação dos aeródromos mais críticos.

Infraestrutura aeroportuária

A infraestrutura aeroportuária é palco da ocorrência de vários eventos simultâneos. A deficiente sinalização pode confundir o profissional no taxiamento da aeronave no pátio de manobras. O piloto precisa entender a comunicação de sinais (cores, números, letras, luzes etc.) para se situar e executar as manobras de acordo com a orientação dos profissionais em solo e, assim, cumprir com êxtio o planejamento da missão.

Antes da decolagem, o piloto também deve conhecer o aeroporto de destino e ter consigo o mapa, além de seguir atentamente a orientação do controle em terra. Se necessário, pedir para repetir a mensagem quando esta não estiver clara, bem como solicitar o progressive taxi instructions (instrução passo a passo), que permite o piloto ser guiado durante o deslocamento na pista. A configuração da aeronave deve ser providenciada antes do táxi para evitar a realização desse procedimento durante o percurso.

Graves problemas podem ocorrer nos aeroportos não controlados, em que pilotos raramente utilizam a fonia para identificar sua posição. A familiaridade com o aeródromo costuma criar uma zona de conforto que provoca ausência de comunicação: o piloto deixa de confirmar as informações emitidas pelo controle aéreo e este, por sua vez, não verifica, nem questiona se foi compreendido. As tripulações com pouca experiência cometem erros na interpretação das cartas de aeródromos, executam planejamentos inadequados ou voltam sua atenção para o interior da cabine desprezando o movimento na área operacional.

Espaço Aéreo
No Brasil, o Programa para Prevenção de Ocorrências de Incursão em Pista, do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA), recomenda a coordenação de veículos e pessoas na área operacional. Toda e qualquer movimentação na pista deve manter o contato via rádio. Nos aeródromos brasileiros, as ocorrências causadas por pedestres são os casos mais comuns pela desatenção da administração aeroportuária que nem sempre mantém a proteção adequada, por exemplo.

De acordo com levantamentos do DECEA, a maior parte das incursões em pista ocorre devido a fatores contribuintes marcados por erros de entendimento de mensagens como abreviaturas, numerais e omissão de palavras na fraseologia aeronáutica. Em casos investigações de incursão em pista foi possível identificar que não houve a devida atenção ao cotejamento de mensagens, situações em que foram deixadas de efetuar correções para evitar conflitos de tráfegos.

Estudos de incidentes por incursões em pista indicaram que havia semelhança entre os códigos de chamada do controle aéreo em todas as situações na qual um piloto aceitou a autorização direcionada para aeronave. Ainda, estatísticas demonstram que há maior incidência de incursões em pista nos primeiros 15 minutos após um controlador assumir a posição no console, devido ao baixo nível de consciência situacional ou por não ter recebido todas as informações relevantes.

Gerenciamento do risco

No passado, há registros de perdas de vidas humanas com acidentes motivados por incursão em pista.  Em 1997, no aeroporto de Tenerife, nas Ilhas Canárias, ocorreu o maior acidente aéreo da aviação mundial, que resultou na colisão em solo entre dois Boeing 747 e o Pan Am 1736 matando 583 passageiros e tripulantes. Cerca de 70 investigadores atuaram no evento e identificaram falhas na comunicação, no gerenciamento de cabine, além de fatores meteorológicos.

A lição dessa tragédia não bastou para que outros grandes acidentes voltassem a ocorrer. Em 1984, a colisão do voo 3352 da Aeroflot, na Rússia, com veículos em manutenção durante o pouso, matou 174 pessoas, incluindo quatro trabalhadores em terra. Falhas na comunicação do controle de tráfego aéreo foram os principais fatores apontados pela investigação. Em 1990, no aeroporto de Detroit, EUA, a tripulação de um DC-9, ao taxiar fez a curva errada em uma das intersecções, ingressando na pista em uso. Resultado: uma colisão e oito mortos.

Na concepção do investigador Alexander, a saída para a solução das incursões em pista requer uma mobilização geral na implantação do SMS, que nada mais é que um programa de qualidade voltado para a segurança de voo. Ele está atrelado à melhoria contínua dos níveis de segurança dentro de uma abordagem pró-ativa incentivando os relatos voluntários de perigos aliados ao gerenciamento do risco. É necessário que o sistema de gestão atue de forma integrada e eficiente nos problemas de segurança das operações, que incluem apoio de pista, controle de tráfego aéreo, cabine de comando e manutenção de aeronaves.

FONTE : cenipa.aer.mil.br

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