Por Ozires Silva – Engenheiro, ex-ministro da Infraestrutura (1990-91, governo Collor) e ex-presidente da Petrobras, da Varig e da Embraer, da qual foi cofundador.
Há cerca de dois anos, nesta mesma Folha, defendi a parceria da Embraer com a Boeing, observando que, juntas, as duas empresas se fortaleceriam para avançar na cada vez mais competitiva indústria aeroespacial global. O que se desenhava era uma aliança benéfica para a aviação civil, que preservava os interesses da FAB e do Estado brasileiro.
Desfeito, por iniciativa da Boeing, o acordo com a firma americana era “importante, mas não fundamental” para a nossa Embraer, que se preparou com afinco para a união, investiu recursos significativos e acreditou na boa-fé e no interesse do potencial parceiro.
Ouso mesmo dizer, tendo em vista os graves e recorrentes problemas técnicos e financeiros enfrentados pela Boeing, que ficamos melhor do que se a união tivesse se consumado.
Acresça-se a isso a tragédia da pandemia, e temos um quadro de crise que desafia governos, empresas e indivíduos a encontrarem soluções criativas para fazer frente às inevitá- veis mudanças no panorama global. A indústria da aviação, em particular, foi das mais afetadas pela pandemia.
Em seus mais de 50 anos de existência, a Embraer soube desenvolver parcerias produtivas e de longa duração. Graças a isso, pôde se tornar líder no mercado de jatos de passageiros de até 150 lugares, tornou-se competidora de ponta na aviação executiva e, junto com a FAB e o governo brasileiro, consolidou-se no mercado internacional de defesa.
Hoje, seu jato de transporte multimissão, o C-390 Millenium, é o mais moderno em produção. Além disso, a empresa se firmou como centro de inovação e de desenvolvimento de tecnologias disruptivas, de nanosatélites a aeronaves para uso urbano.
A Embraer tem os produtos, a capacidade tecnológica, a gestão, a governança e, principalmente, as pessoas certas para enfrentar os desafios do momento.
Desde 1969 e mesmo depois de privatizada, em 1994, a empresa contou com o apoio do governo brasileiro para se inserir de forma com- petitiva no mercado global. A exemplo do que acontece na Europa, com a Airbus, e nos Estados Unidos, com a Boeing, governos financiam exportações, apoiam programas específicos e veem o setor aeroespacial co- mo um projeto de Estado.
Bastou o fim do acordo com a Boeing para que a Embraer logo se visse no radar de países como Japão, Índia, Rússia e China, interessados em desenvolver parcerias e em se beneficiar da extraordinária competência de seus técnicos e engenheiros e de sua renomada qualidade de produção.
No tabuleiro da grande geopolítica no momento em transformação acelerada, em decorrência do retraimento dos EUA e dos impasses da globalização, a Embraer se sobressai, pois é a maior exportadora brasileira de produtos de alto valor agregado, presente em 100 países e articulada com o que existe de mais moderno em ciência e tecnologia.
Em reportagem recente desta Folha, o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, demonstrou otimismo mais do que justificado. Lembrou das várias e concretas vantagens que a empresa tem e deixou claro que seu time está trabalhando em um novo plano estratégico que a levará com sucesso até 2025.
Para que isso aconteça, mais do que nunca a Embraer deve ser vista como um projeto de interesse do Estado brasileiro, um vetor de independência tecnológica e de sustentação da soberania. Ao aliar os valores do mercado aos do interesse nacional, a empresa tem tudo para continuar sendo um projeto de sucesso para seus colaboradores, seus acionistas e para a sociedade brasileira.
FONTE: Folha de São Paulo