Falta de dinheiro público para projetos prioritários prejudica encomendas à indústria nacional, que corre risco de ficar obsoleta. Militares e parlamentares criticam incertezas, que inviabilizam contratos de longo prazo.
Por Simone Kafruni
Uma opinião que encontra apoio no Congresso Nacional. “Mais grave que o corte, é a incerteza de recursos. A indústria que atende as Forças Armadas precisa se planejar. Quando o governo lança um programa, as empresas se mobilizam para atender as encomendas. Quando os contratos são interrompidos, o que governo faz é levar a crise para o setor privado”, alertou o presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
A deputada Jô Moraes (PC do B-MG), presidente da comissão congênere da Câmara, a CREDN, alerta para a urgência do debate sobre o fortalecimento da defesa nacional. “No ano que vem, o país precisa atualizar os três instrumentos de planejamento da defesa (o Livro Branco, a Estratégia de Defesa Nacional e o Plano de Articulação e Equipamentos de Defesa — Paed). Terá que adequá-los à realidade orçamentária”, afirmou.
O Ministério da Defesa explicou, por meio da assessoria de imprensa, que os documentos estabelecem ações e objetivos de longo prazo, menos sujeitos às flutuações momentâneas de recursos. Mas admitiu: “Claro está que o Paed é ajustado considerando o cenário como um todo”.
Na opinião da parlamentar Jô Moraes, a política de defesa não é compreendida pela sociedade. “Não é só uma questão de estar preparado para a guerra, embora isso seja extremamente importante porque o Brasil pleiteia uma vaga definitiva no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) e suas decisões podem desagradar a outras nações”, disse ela.
“Outro problema é que nós temos dependência da indústria norte-americana para usar até mesmo um GPS, por exemplo. Por isso, o projeto do satélite geoestacionário é tão importante. Infelizmente, é uma área que avança lentamente no Brasil, mesmo comparada com países que não se envolvem em conflitos”, acrescentou Jô. O lançamento do satélite, previsto para o segundo semestre de 2016, está ameaçado pelos cortes.
A indústria de defesa incentiva o desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas em conjunto com universidades, instituições de ciência e tecnologia e empresas, gera empregos, contribui para reduzir a dependência de tecnologia externa, ajudando a equilibrar a balança comercial, melhorando a capacitação da mão de obra, entre outros benefícios, defendem os parlamentares.
“Para um país que precisa focar na reindustrialização, precisamos de mais investimentos e não de cortes. A indústria da defesa é um ramo que pode significar um grande salto de inovação tecnológica”, diz Jô. “Essa indústria garante a continuidade logística do suprimento de itens necessários para as Forças Armadas, a qualquer tempo”, ressaltou o Ministério da Defesa.
Para o vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Defesa (Abimde), Carlos Afonso Pierantoni Gambôa, toda redução de orçamento afeta os programas e projetos em andamento. “Aqueles considerados estratégicos para o país sofrem maior impacto, pois reduzem capacitações de defesa avaliadas como essenciais”, destacou.
Dependência
Como a evolução do setor depende basicamente de compras governamentais, Gambôa assinalou que os programas sofrem por causa do contingenciamento. “Como exemplos, podemos citar o programa de construção de helicópteros HX-BR e o programa de construção de submarinos Prosub, atrasados em face da redução do desembolso”, disse.
A Abimde reúne empresas que empregam aproximadamente 60 mil pessoas diretamente e garantem 240 mil postos de trabalho de modo indireto. São empregos que também correm risco de encolher com o descaso do governo com a Defesa Nacional. “A estratégia nacional de defesa (END) prioriza os setores espacial, nuclear e cibernético. São inúmeros os benefícios colhidos pela sociedade a partir de desenvolvimentos militares. Entre eles, a internet, os aparelhos de ultrassonografia, o emprego de radioisótopos na medicina, os avançados sistemas de comunicações e sistemas laser”, enumerou Gambôa.
Estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) encomendado pela Abimde aponta que o setor de defesa e segurança movimentou R$ 202 bilhões no Brasil em 2014, e que, a cada R$ 10 bilhões investidos, o governo tem o retorno de R$ 5,5 bilhões em tributos. Isso representou 3,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado.
Portanto, mostra o estudo, a indústria é um importante motor para a economia brasileira e ainda garante alta qualificação de mão de obra. No entanto, quase todos os segmentos da área tiveram desempenhos negativos no ano passado, desde que os recursos para o setor começaram a minguar. Com o contingenciamento deste ano, os números tendem a piorar.
Conforme o Ministério da Defesa, a maior parte do recursos do orçamento é direcionada para a execução das funções essenciais de defesa, como treinamento e emprego militar, funcionamento e manutenção de organizações militares, controle do espaço aéreo e também na “continuidade da execução de investimentos em projetos estratégicos e obtenção de meios (navios, aeronaves, veículo) das Forças Armadas”.
As compras, no entanto, foram afetadas. Na avaliação da deputada Jô, o corte respinga no setor privado. “A postergação de compra dos blindados Guarani abalou a indústria Iveco, responsável pelos equipamentos”, alertou.
Ataque aéreo
As primeiras unidades do Gripen serão importadas da Suécia, porém, mais tarde a produção será feita no Brasil, com participação da Embraer, o que vai gerar 2,3 mil empregos diretos e 14,6 mil indiretos. O desenvolvimento 100% nacional da aeronave KC-390, com 60% de componentes nacionais, também é prioritário e poderá representar até US$ 21,3 bilhões em exportações em 20 anos, mas a previsão da primeira aeronave em série ficou para 2017.
FONTE: Correio Braziliense