Segundo especialistas, país está perdendo a corrida pelo lançamento de satélites, mesmo tendo investido no setor. “Contaminação ideológica” das decisões seria um dos problemas
Apesar de décadas de investimentos no setor espacial, o Brasil não obteve os resultados de seus pares no Brics — Rússia, Índia e China. Além disso, está perdendo para a Argentina, que coloca em órbita um segundo satélite geoestacionário e constrói o terceiro no próprio território. A avaliação foi feita pelo presidente da Visiona Tecnologia Espacial, Eduardo Bonini, em audiência pública ontem na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE).
O presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Rubens Barbosa, atribuiu parte dos problemas a “uma comédia de erros”. Segundo ele, as dificuldades começaram com a oposição política ao Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (TSA) entre o Brasil e os Estados Unidos.
Esse acordo foi assinado em 2000 para viabilizar o lançamento de satélites da base de Alcântara, no Maranhão, por empresas privadas norte-americanas. Com a mudança de governo, o TSA foi colocado de lado e houve a assinatura de um acordo semelhante com a Ucrânia, em 2004.
De acordo com Barbosa, para lançar da base de Alcântara o foguete com o satélite previsto no acordo com a Ucrânia, o governo brasileiro precisava do tratado que havia vetado — os Estados Unidos dominam 85% do mercado de lançamento de satélites de comunicação.
Ao contrário do acordo com Washington, que ainda está parado na Câmara dos Deputados, a cooperação com o governo de Kiev foi rapidamente aprovada pelo Congresso.
O dirigente da Fiesp lembrou que, após 12 anos, o foguete não foi lançado, obrigando o governo brasileiro a cancelar o acordo com a Ucrânia em julho de 2015. Barbosa, que era embaixador brasileiro em Washington na época da assinatura do acordo com os Estados Unidos, disse que o tratado foi feito não para beneficiar empresas norte-americanas, mas para viabilizar a base de Alcântara, que receberia de US$ 40 milhões a US$ 50 milhões por cada lançamento de satélite.
Conforme o ex-embaixador em Washington, se não tivesse havido a “contaminação ideológica” do processo 15 anos atrás, o Brasil teria desenvolvido a base de Alcântara para fins comerciais e os recursos poderiam financiar as demandas para o desenvolvimento da área.
Ele contestou informação dada em 2013 pelo então ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, de que o governo havia retirado do Congresso o projeto de decreto legislativo (PDL 1446/2001) que prevê a homologação do acordo.
Estratégia
Na presidência da reunião, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) informou que a última movimentação do projeto se deu na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, com a leitura de relatório sobre a proposta.
A senadora Ana Amélia (PPRS) observou que o Brasil e a Rússia estão dentro do Brics e que o governo brasileiro fez um acordo com a Ucrânia. Em seguida, acrescentou, “a Rússia invade a Ucrânia e descobre-se que a fábrica [de foguetes] fica dentro de território russo”. Para a senadora, “isso parece ser equivocado em todos os aspectos”.
Diante do diagnóstico de Eduardo Bonini quanto à difícil situação financeira da indústria que opera no setor espacial, o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) questionou a razão de as empresas privadas não terem capacidade de antever os problemas. Bonini explicou que cerca de 70% a 80% dos negócios nessa área são demandados por governo.
São programas estratégicos, são projetos de altíssimo risco e, muitas vezes, sem retorno. Não existe lançador de satélite que traga retorno econômico. Isso é uma estratégia de Estado, uma política de Estado, afirmou.
Segundo ele, tirando a questão do lançador de satélites, a utilização comercial da base de Alcântara pode fomentar a própria infraestrutura a se capacitar para projetos maiores.
FONTE: Jorna Senado