União entre Boeing e Embraer fortalece ambas as empresas na concorrência com a Airbus/Bombardier; golden share pode manter aspectos estratégicos para o País
Por Shailon Ian
Há alguns meses foi anunciada a parceria entre a Airbus – gigante aeroespacial europeia – e a Bombardier, concorrente canadense da Embraer. Naquela oportunidade foi comentado que a fusão entre as operações – no caso específico na linha CSeries – poderia colocar em risco o futuro da Embraer.
A indústria aeronáutica se caracteriza por seu caráter de capital intensivo. O acesso a linhas de financiamento e a projetos de desenvolvimento na área de defesa tem um papel importante na capacidade de investimento e desenvolvimento de novos produtos pelos fabricantes.
E hoje Airbus e Boeing representam o que há de mais expressivo nesse mercado, competindo pedido a pedido pela preferência de governos e de empresas aéreas.
Até mesmo em função disso a Embraer se desenvolveu em outro nicho. Ao focar de maneira inteligente na fabricação de aeronaves para a aviação regional – muitas delas feeders das grandes linhas aéreas – e, posteriormente, desenvolver sua linha vencedora de aviões de negócios, a empresa se manteve distante da briga dos dois pesos pesados do setor e se transformou em campeã da sua liga.
Líder nos dois segmentos, a Embraer desenvolveu métodos de produção que revolucionaram o setor. Sua estrutura de produção compartilhada hoje é estudada em cursos de MBA, e o sucesso do seu turnaround desde sua privatização se transformou em um case.
A união com a Boeing – total ou parcial – é um caminho natural e, de certa forma, esperado. Não há como a Embraer competir no longo prazo com um gigante do nível da Airbus sem que ela mesma se associe a outro gigante.
Além disso, para a Boeing também é importante essa associação, pois desde outubro sua concorrente oferece uma linha de produtos completa, desde o jato regional até os transcontinentais.
Dessa forma, a união da Boeing e Embraer é o típico negócio no qual ambas as empresas têm a ganhar.
A Embraer ganha acesso às tecnologias, capacidade de investimento e financiamento, além da experiência da Boeing em lidar com o mercado de defesa norte-americano, eventualmente abrindo portas para o jato de transporte militar da empresa brasileira, o KC-390. E a Boeing ganha uma linha completa da líder incontestável no segmento de jatos regionais e líder no mercado de aviões de negócios, como o Phenom 300.
Se do ponto de vista econômico a associação faz sentido, algum cuidado é necessário quando se faz uma avaliação estratégica e dos interesses nacionais do Brasil.
A Embraer é o centro de um importante polo de desenvolvimento tecnológico no País. Existe todo um sistema de indústrias e empresas de tecnologia que funcionam no entorno da sede da empresa em São José dos Campos.
A transferência das linhas de produção ou de pesquisa para outro país seria devastador para as ambições aeroespaciais nacionais.
A existência da golden share oferece a possibilidade de estes aspectos serem abordados na negociação. Para o Brasil também será importante essa fusão ou parceria, mas alguns aspectos estratégicos importantes devem ser abordados e precisam constar do acordo.
Cabe aos negociadores agir com sabedoria, utilizando o que há de melhor na golden share sem inviabilizar o negócio.
Aqui não cabe nenhum viés nacionalista, nem a briga coxinhas x mortadelas. Sem a união a Boeing pode decidir desenvolver sua própria linha e aí a Embraer, que por anos evitou a briga com as gigantes da aeronáutica, pode ter que lutar contra as duas simultaneamente.
Com isso em mente, o governo deve buscar garantias razoáveis, mas não deve se transformar em um fardo: afinal, um bom projeto aeronáutico não tem nenhum grama desnecessário.
Sobre o autor: Engenheiro aeronáutico formado pelo ITA e presidente da Vinci Aeronáutica.