Caso Santos Dumont estivesse vivo, estaria aplaudindo o trabalho de quatro jovens conterrâneos mineiros. Os estudantes de engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) criaram o protótipo de um avião não tripulado e foram premiados pelo Von Karman Institute for Fluid Dynamics (VKI), uma organização educacional e científica internacional com sede na Bélgica.
Matheus Ganem, Joel Reis e Rodrigo Torres, alunos de graduação em engenharia aeroespacial, e Luciano Frágola, que faz mestrado em engenharia mecânica, foram os autores do inovador projeto. O quarteto recebeu orientação do professor Paulo Iscold, do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG e responsável também por diversas outras pesquisas na área de engenharia aeronáutica na instituição.
O projeto, desenvolvido no Centro de Estudos Aeronáuticos (CEA) da universidade, recebeu o nome de LightWhale (baleia leve, em inglês). Foi idealizado justamente para participar da competição internacional de projeto de aeronaves promovida pelo instituto europeu. Trata-se de um veículo aéreo não tripulado (Vant) para fazer patrulhamento
marítimo.
Um Vant, segundo Matheus Ganem, é um avião capaz de operar sem pilotos, sendo controlado remotamente por comandos de rádio ou pré-progamado por um computador. “Câmeras presentes na aeronave permitem que ela desenvolva funções de busca, reconhecimento e observação. Esses recursos propiciam ao veículo realizar missões diversas, de caráter tanto civil quanto militar, como observação de embarcações suspeitas, busca de aeronaves ou navios acidentados e até mesmo a provisão de imagens em tempo real de plataformas de petróleo”, explica.
O modelo criado tem aproximadamente 2m de envergadura (de ponta a ponta das asas), 1,7m de comprimento e pesa 48kg, quando está na configuração mais completa. Em fibra de carbono, é projetado para realizar um percurso de 150 quilômetros em apenas 15 minutos, atingindo até 630km/h de velocidade.
Ineditismo
A competição foi a primeira do gênero promovida pelo VKI, tendo sido considerada uma das iniciativas mais inovadoras para a área. Isso porque projetos de veículos aéreos não tripulados viáveis economicamente ainda são recentes e relativamente limitados ao mercado militar. Entraram na disputa 17 equipes de várias partes do mundo, como Bélgica, Turquia, Hungria, Finlândia, Inglaterra e Brasil, totalizando mais de 100 estudantes participantes.
Os idealizadores do projeto da UFMG contam que a competição foi dividida em três etapas. Primeiramente, a VKI lançou um documento, em dezembro do ano passado, com as regras, os prazos e os objetivos do concurso. “Fizemos a nossa inscrição e começamos a desenvolver o projeto. No fim de março, entregamos um relatório parcial descrevendo as atividades que tínhamos realizado até aquele momento. Em 21 de maio, entregamos o nosso relatório final com a nossa proposta para o desafio que eles haviam lançado”, contam.
Interessante foi o fato de os alunos serem premiados sem nem sequer irem à Europa. Houve uma fase de apresentações presenciais, que ocorreu na sede da VKI, depois da entrega do relatório final, mas que eles não puderam comparecer porque não conseguiram recursos financeiros para fazer a viagem. “Para continuarmos na competição, preparamos uma apresentação em PowerPoint, um pôster e uma maquete para ensaios aerodinâmicos. Esse material foi enviado com o projeto. Contamos com a ajuda de um dos organizadores da competição que se dispôs a apresentar nosso trabalho à comissão julgadora”, revela Matheus Ganem.
O estudante informa que, em um ponto de vista mais técnico, as etapas do projeto cumpridas pelo grupo durante a competição se relacionaram a estudos de viabilidade, análises de requerimentos, análises de missão, estimativas de peso, cálculos da área alar, estimativas aerodinâmicas iniciais, escolha da configuração, projeto de arquitetura eletrônica, escolha do motor, centragem, escolha dos perfis, cálculos aerodinâmicos, projeto estrutural, análise de desempenho e estabilidade e análise de custos. “Essas etapas foram desenvolvidas por todos do grupo pelo período de seis meses, tempo que durou a competição. Mantínhamos reuniões semanais para discussões e tomada de decisões.”
Túnel do vento
Como prêmio pela conquista, os quatro alunos ganharam uma série de experimentos nos túneis de vento do instituto europeu. Os ensaios seriam conduzidos ainda neste ano com um modelo desenvolvido nos laboratórios da própria UFMG. “O prêmio foi muito comemorado pela equipe e pela universidade não só pelo reconhecimento do trabalho realizado, mas também pelo lado financeiro”, diz Matheus Ganem, ressaltando que, apenas para efeito de comparação, caso fosse preciso pagar por esses experimentos, o custo somente para uso do túnel de vento ficaria em torno de 40 mil euros.
Com a competição definida, os alunos estão em busca de patrocínio para arcar com os custos das quatro passagens para a Bélgica (em torno de R$ 17 mil) e/ou de investidores que tenham interesse em desenvolver o projeto comercialmente. “Ganhamos como prêmio um valiosíssimo curso no VKI, que é um sonho para muitos alunos da área, mas eles não arcam com as despesas de deslocamento”, diz Ganem, acrescentando que não houve qualquer tipo de apresentação prática na competição. Tudo foi feito por simulações no computador. “Essa prática é que queríamos muito experimentar na Bélgica.”
FONTE: Correio Brasiliense