Por Roberta Scrivano
A sueca Saab, que vendeu 36 caças Gripen NG ao Brasil por US$ 5,4 bilhões, garante no contrato assinado com o governo brasileiro que dará uma compensação, de pelo menos 150% do valor contratual, em transferência de tecnologia ao país.
Na prática, isso significaria que os suecos ensinariam o que sabem a companhias brasileiras. Para absorver tais conhecimentos, as empresas nacionais têm de estar aptas, preparadas. Mas, especialistas do setor, que acompanham o negócio de perto, têm dúvidas sobre se essa cooperação industrial se dará efetivamente pela troca de conhecimento de tecnologia de produção do caça ou se ficará restrita ao chamado “chão de fábrica”, isto é, onde a aeronave é montada.
As dúvidas provêm de duas questões. A primeira, é o baixo nível de sofisticação da cadeia aeroespacial nacional, o que põe em xeque a transferência, já que não é possível ensinar tudo, desde o zero aos fabricantes locais, como observa Mario Sergio Salerno, professor da Universidade de São Paulo (USP) especializado em inovação. A segunda, é a falta de detalhamento, no contrato e da própria Saab, de como será e qual a profundidade dessa transferência.
Capacitação no exterior
Jan Germudsson, vice-presidente de parcerias industriais da Saab, admite que o aperfeiçoamento da cadeia produtiva aeroespacial no Brasil é essencial para inserir o país no projeto de produção dos caças Gripen NG, cujo potencial de venda é estimado em US$ 30 bilhões para os próximos 20 anos.
Aline Barabinot, diretora da consultoria internacional OrBiz, diz que as empresas brasileiras precisam “ganhar corpo para entrar nesta disputa global”. Para que o Brasil possa competir como fornecedor da Saab no projeto dos caças, salienta ela, é preciso que as empresas do país se preparem, no sentido de entender quais serão os seus lugares na cadeia já estabelecida no mundo.
– O negócio da Saab com o Brasil abre uma grande porta ao desenvolvimento industrial. Mas, se não houver um entendimento da cadeia como um todo, e onde nos inserimos, a onda vai passar e as companhias não vão aproveitar – ressalta a consultora.
Pelo acordo feito entre a Saab e o governo brasileiro, antes mesmo da assinatura do contrato – que tem mais de mil páginas e peso superior a 70 kg -, 40% dos últimos 15 Gripens NG comprados pelo Brasil devem ser produzidos aqui. Desse total, só está claro que 80% da estrutura será feita no país. Não há percentual definido para itens e partes de maior teor tecnológico.
– O motor e o radar são feitos por estrangeiras. A GE faz o motor, e a Selex, o radar. São dois itens muito sofisticados, que já sabemos que não vamos aprender – afirma Carlos Rondina Mateus, supervisor do Cluster Aeroespacial e de Defesa do Brasil, instalado em São José dos Campos.
Segundo Germudsson, da Saab, a companhia elegeu sete empresas brasileiras para serem suas “parceiras”. São elas: Embraer, Akaer, Ael, Atech, Inbra, Mectron e DCTA. Essas serão as companhias que receberão a transferência tecnológica – processo que vai durar seis anos. Durante três anos, alguns dos funcionários dessas empresas ficarão na Suécia sendo capacitados. Nos três anos seguintes, especialistas suecos virão ao Brasil supervisionar o trabalho dos brasileiros. Depois disso, encerra-se a transferência tecnológica.
– Claro que não há dúvida da capacidade de a Embraer absorver esse conhecimento, assim como as outras escolhidas – afirma Salerno, da USP. – O ponto é se esse conhecimento pode ser absorvido pela cadeia como um todo, quero dizer, pelas empresas que vão fornecer (peças) às eleitas.
Para garantir essa capacidade de absorção, a Saab comprou, por exemplo, 15% da Akaer, que fica em São José dos Campos e terá papel importante no desenvolvimento dos projetos da estrutura dos caças. A sueca também vai fundar, em parceria com o Grupo Inbra, uma nova fábrica em São Bernardo do Campo, que se chamará SBTA e será encarregada de produzir as estruturas projetadas pela Akaer. Segundo Marcus Wallenberg, presidente da Saab e bisneto do fundador da empresa, poderá haver ainda novas “relações de desenvolvimento em parceria” com outras empresas no Brasil.
– Temos que ficar de olho nisso. Por que, se a SBTA for uma indústria verticalizada e não integradora, ou seja, que não use a nossa cadeia estimulando essa evolução tecnológica, vamos andar para trás – afirma Mateus.
FONTE: O GLOBO