Por Gideon Rachman – Financial Times
O que a China está armando? De Hong Kong a Taiwan e do Mar do Sul da China até a fronteira com a Índia, o governo chinês, comandado por Xi Jinping, segue políticas mais agressivas. Existe uma preocupação crescente com o comportamento de Pequim, não apenas nos EUA, mas na Índia, Reino Unido, Japão e Austrália.
O governo chinês pode achar que a covid-19 tornou este um bom momento para agir, enquanto o mundo olha para outro lado. Protestos nos EUA dividiram e distraíram ainda mais o ocidente. Mas as democracias não podem se dar ao luxo de perder o foco no leste da Ásia. Uma nova crise global pode surgir lá facilmente, com consequências mais graves no longo prazo do que as da pandemia.
A crescente assertividade de Pequim reflete tanto orgulho como paranoia. Depois de 40 anos de rápido crescimento econômico, a China é hoje, em certos aspectos, a maior economia do mundo. Sua marinha tem mais navios de guerra e submarinos do que a dos EUA. Sua internet borbulha com conversas nacionalistas sobre a ascensão inexorável da nação.
O filme de maior bilheteria da história da China é “Lobo Guerreiro 2”, um filme de ação ao estilo Rambo, lançado em 2017, que tem como protagonistas, heroicos soldados chineses em luta contra mercenários, liderados por um americano racista. Um pôster promocional do filme trazia o seguinte slogan: “Qualquer um que insulta a China, não importa quão remoto, deve ser exterminado”.
Quando diplomatas chineses respondem a críticas contra Pequim com ameaças e insultos, costuma-se dizer que eles praticam a “diplomacia do lobo guerreiro”.
Mas ao lado do orgulho há muitos motivos para a paranoia nos níveis mais altos do governo em Pequim. Os últimos 12 meses puseram Xi diante de uma gama sem precedentes de ameaças e desafios.
A pandemia levou a China a ser acusada de responsabilidade por uma calamidade mundial. Um regime que costumava acreditar que precisava de um crescimento de 8% ao ano para manter a estabilidade social agora tem que lidar com uma profunda contração econômica, agravada por uma guerra comercial com os EUA. Os protestos pró-democracia em Hong Kong têm continuado por mais de um ano e representam um sério desafio à autoridade do Partido Comunista. E em janeiro a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, se reelegeu com uma vitória esmagadora, uma humilhação para Pequim, que tentou prejudicá-la.
Tudo isso parece criar uma mentalidade de cerco no governo. Como resposta, Pequim intensificou seu apelo ao nacionalismo. O objetivo da propaganda é mobilizar as pessoas contra ameaças externas e desviar a fúria sobre o covid-19 parao mundo além da China.
As políticas externas e internas de Pequim são cada vez mais ousadas e agressivas. Uma nova lei de segurança nacional deve ser imposta em Hong Kong, e ameaça infligir uma censura ao estilo da China continental a uma cidade livre.
Exercícios militares e a retórica que visa a intimidar Taiwan se intensificaram. A atividade naval de confronto no Mar do Sul da China também aumentou, dirigida contra rivais pelo controle da região, como Malásia e Vietnã.
Milhares de tropas chinesas entraram em conflito com indianos em sua área disputada de fronteira, embora sem mortes registradas. Países que se atrevem a criticar a China por causa da covid-19 têm recebido uma dose de “diplomacia de lobo guerreiro”. Pequim impôs tarifas sobre algumas exportações australianas depois que o país pediu uma investigação internacional.
O governo Xi pode estar convencido de que “forças externas” hostis estejam tramando contra a China. Mas a compreensão de como o mundo se parece do ponto de vista de Pequim não pode resvalar para a condescendência. Mesmo que Xi e seus colegas acreditem que atos da China são de natureza “defensiva”, o sistema que defendem é um governo unipartidário voltado para reprimir críticas internas e externas, ao mesmo tempo em que formula uma série de exigências internacionais.
Pequim defenderá sua tese com base em fundamentos jurídicos, diplomáticos e históricos. Mas nunca convencerá países democráticos da Ásia e do ocidente a deixar de se horrorizar com a visão das ameaças da China às liberdades de Hong Kong e de Taiwan.
O fato da China ser a potência do século 21 em ascensão significa que os atos de Pequim têm agora implicações globais. Países do mundo inteiro observam a diplomacia do lobo guerreiro. e se perguntam se serão ou não os próximos da fila em termos de coerção. Mudar esse comportamento exigirá uma resposta mais unificada e íntegra da parte das democracias globais, talvez por meio da formação de um grupo de contato permanente para discutir a política para com a China. Em vista da paranoia e do nacionalismo de Pequim, há, sem dúvida, o perigo de uma reação mais dura, mais coordenada, desencadear uma resposta ainda mais agressiva. Mas o perigo maior é o de que o mundo externo esteja disperso, dividido e intimidado demais para reagir coerentemente. Isso pode convencer Pequim a assumir um risco além da conta, mergulhando o mundo em uma
nova e perigosa crise.
FONTE: Valor