Por Sergio Lamucci | De Washington
Para Roett, o melhor resultado possível para a visita da presidente se tornou mais remoto depois do escândalo. Com as denúncias, ficou mais improvável que os EUA reconheçam oficialmente a pretensão brasileira de ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), assim como o Brasil tampouco deve anunciar que aceita a proposta da Boeing no leilão dos Caças para a Força Aérea, num negócio que envolve US$ 4,3 bilhões. A empresa americana disputa com a francesa Dassault e a sueca Grippen.
“Com o momento ruim nas relações entre Brasília e Washington, essa negociação deve estar fora da mesa”, acredita Roett, para quem, antes do surgimento das informações mais recentes sobre a espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês), possivelmente havia conversas nesse sentido, ainda que esse desfecho não fosse muito provável.
Para Roett, um eventual apoio do governo americano à candidatura do Brasil ao Conselho de arrastar por muito tempo. “Os chineses não querem os japoneses, os franceses não querem os alemães, e os argentinos e os mexicanos não querem os brasileiros”, afirmou ele. Hoje, EUA, China, França, Reino Unido e Rússia são os países com assento permanente no conselho de segurança. Em 2010, Obama anunciou apoio à candidatura da Índia ao posto.
Para Roett, porém, ainda há funcionários no Departamento de Estado e na Casa Branca que não veem com bons olhos as pretensões do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU, porque encaram com desconfiança as relações do país com nações como Venezuela. Tampouco ajudam as negociações realizadas por Brasil e Turquia para um acordo sobre o programa nuclear do Irã, em 2010, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Outro ponto, segundo Roett, é que a Índia tem mais importância geopolítica que o Brasil.
Já a questão da compra dos Caças esbarraria também nos problemas fiscais enfrentados pelo governo Dilma, assim como nos protestos que tomaram as ruas do Brasil, especialmente em junho. Apresentar uma conta de alguns bilhões de dólares num momento em que uma parte expressiva da população reclama da situação da saúde e da educação e dos gastos em estádios seria difícil, afirmou Roett. Além disso, pode ser complicado fechar o negócio com uma empresa americana num momento em que há denúncias de que os EUA espionam o governo e empresas brasileiras.
Para ele, o fato de Dilma ter cancelado na semana passada a viagem de assessores que iriam a Washington para trabalhar nos preparativos para a visita de Estado sugere a possibilidade de adiamento da vinda da presidente aos EUA, que poderá ser a primeira com esse status desde a realizada por Fernando Henrique Cardoso em 1995. “Essas visitas exigem bastante preparação”, disse Roett, ressaltando, porém, que a conversa entre o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, e a assessora-chefe de segurança nacional da Casa Branca, Susan Rice, marcada para amanhã, será muito importante para o futuro da viagem. Os dois tratarão das denúncias apresentadas pelo “Fantástico”, da TV Globo, de que a NSA espionou Dilma, seus assessores e a Petrobras.
Um problema, segundo Roett, é que não há uma explicação convincente para as denúncias de espionagem envolvendo a NSA. “Não há como negar. Está documentado. O governo americano espionou brasileiros por muito tempo”, disse ele, descartando a possibilidade de algum pedido de desculpas. “Se pedir desculpas ao Brasil, o governo americano teria que fazer o mesmo em relação ao México e em relação aos europeus.” A administração do presidente Barack Obama tem que dar uma resposta ao Brasil num momento delicado, com novas denúncias de espionagem surgindo com frequência. A reportagem o observou, mostram uma ampla invasão de privacidade pelo governo americano. Isso dificulta as discussões, num cenário em que a presidente Dilma se mostra “furiosa” com as informações sobre a espionagem, disse Roett, observando que as denúncias fazem o governo da presidente parecer fraco, o que ajuda a explicar a forte cobrança por parte do governo brasileiro a pouco mais de um ano das eleições de 2014.
Roett ressaltou ainda que o escândalo da NSA não é a prioridade do governo Obama no momento. O presidente está muito mais preocupado com o pedido feito para o Congresso para o país atacar a Síria, em resposta ao suposto uso de armas químicas pelo regime de Bashar al-Assad. Também estão no topo da agenda de Obama as negociações em relação ao orçamento para o ano fiscal de 2014, que começa em outubro. Se democratas e republicanos não chegarem a um acordo, pode haver uma paralisação parcial das atividades do governo. “Essas questões são mais importantes para as autoridades americanas do que os sentimentos da presidente do Brasil, infelizmente, mas essa é a realidade. É assim que Washington funciona.”
Se Dilma de fato viajar a Washington, a visita não deverá ser marcada por divulgações significativas, disse Roett. Acordos de cooperação em áreas como energia, ciência e tecnologia e educação poderão ser anunciados, mas sem registrar avanços importantes nas negociações entre os dois países. “Será uma visita de Estado cerimonial.”
Uma boa notícia para as relações entre Brasil e EUA é a confirmação de que Thomas Shannon, o embaixador americano no Brasil que deixou o cargo na sexta-feira, será conselheiro do secretário de Estado dos EUA, John Kerry, segundo Roett. “É uma boa indicação”, disse o brasilianista, para quem Shannon terá a oportunidade de manter o Brasil na agenda de Kerry, o que é positivo. “A questão é que o episódio de espionagem pela NSA vai tornar as relações bilaterais difíceis por algum tempo.”
FONTE: Valor Econômico