Ogivas e narrativas: a Teoria do Controle Reflexivo e o uso estratégico de ameaças nucleares

Bateria de mísseis Pershing II que foram desmanteladas com a assinatura do tratado INF- Foto: Frank Trevino

Por José Gabriel Pires

Diversos fatores devem ser ponderados em análises acerca do conflito russo-ucraniano. É possível observar uma variedade de estratégias nessa disputa que vão além dos ataques cinéticos convencionais, envolvendo os demais domínios e dimensões operacionais. Nesse sentido, a dimensão informacional se destaca pelo seu importante papel mesmo antes do início dos embates.

Um conceito relevante na doutrina russa de Confronto Informacional é a Teoria do Controle Reflexivo (TCR), que tem sido observada em comportamentos e discursos contendo ameaças nucleares, ainda que veladas, por parte da liderança russa. Assim, questiona-se a relevância da TCR no âmbito dos riscos de uma escalada nuclear no conflito na Ucrânia.

A TCR foi desenvolvida na década de 1960 pelo psicólogo matemático Vladimir Lefebvre e combina elementos geopolíticos e psicológicos, tendo como propósito a transmissão de informações especialmente preparadas, tanto para adversários quanto para aliados, com o intuito de alterar fatores-chave na sua percepção de mundo, persuadindo-os a tomar decisões favoráveis ao emissor da informação.

No conflito russo-ucraniano, especialmente no nível estratégico, essa teoria vem sendo explorada para fins de desinformação, um dos pilares da doutrina russa de Confronto Informacional. O objetivo dessa estratégia é modelar o âmbito psicossocial das sociedades ocidentais para que pressionem seus governos a reduzir o apoio a Kiev, promovendo uma negociação que, no momento, seria favorável a Moscou.

Nesse cenário, a ameaça nuclear é algo que ronda o conflito desde seu início, no contexto dos riscos envolvidos na disputa em torno da usina nuclear da cidade de Zaporizhzhia. Além disso, com o esvaziamento do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF, na sigla em inglês), em 2019, Rússia e Estados Unidos ficaram livres para retornar à produção de mísseis de médio alcance (500-5.000 km). Nesse contexto, no final de julho, Moscou deu início à terceira fase de uma série de exercícios com armas nucleares não estratégicas em larga escala.

Míssil Iskander-M

O Ministério da Defesa russo anunciou que essa etapa incluirá atividades com o sistema de mísseis táticos “Iskander-M” e terão como palco os distritos central e sul, o que inclui a Crimeia, além das quatro regiões ucranianas ocupadas pela Rússia. De fato, é uma tarefa complexa mensurar o potencial de tais ameaças se concretizarem. No entanto, é possível observar o intuito de se remodelar percepções das sociedades ocidentais, o que as insere no contexto do Confronto Informacional russo, baseado na TCR. Assim, se evidencia a relevância da dimensão informacional no conflito, visto que o campo discursivo exerce um papel essencial, especialmente no nível político-estratégico.

FONTE: Boletim GeoCorrente

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