Por Leonam Guimarães
No Brasil e no mundo, o papel da energia nuclear vem sendo crescentemente reconhecido como de grande importância para a desejada descarbonização da economia com segurança energética. Inclusive, nosso Operador Nacional do Sistema ONS já se posicionou formalmente, em resposta à consulta do Ministério de Minas e Energia MME, reconhecendo que a UTN Angra 3 terá papel relevante no horizonte abarcado pelos estudos de planejamento da operação do Sistema Elétrico Brasileiro SEB.
Relevância do papel de Angra 3 vem sendo vividamente discutida pelos agentes do setor elétrico nacional, levando em conta que a maioria das hidrelétricas hoje são a fio de água e, portanto, são tão intermitentes como as solares e as eólicas. Parece ser um consenso no setor que térmicas a gás e nucleares são imprescindíveis para termos segurança energética. A quantidade crescente de energia intermitente vai levando a um aumento das dificuldades para o ONS operar o Sistema Interligado Nacional SIN não só do ponto de vista energético, mas também do elétrico.
Sob o enfoque do atendimento energético, a Usina Termonuclear UTN de Angra 3 apresenta as seguintes características:
- Sua capacidade instalada, e a previsão de alta disponibilidade e elevada confiabilidade a tornam, mesmo se avaliada isoladamente, um dos principais recursos para atendimento ao mercado do subsistema Sudeste/Centro-Oeste e do SIN;
- Como disponibilizará sua produção diretamente no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, maior carga do SIN, contribui para evitar congestionamentos nas interligações entre subsistemas;
- Devido a seu baixo custo unitário variável previsto será uma das fontes prioritária para despacho, seja por mérito econômico ou por razões de segurança eletroenergética, o que contribuirá para a redução dos Custos Marginais de Operação (CMO) futuros; e
- A operação da UTN Angra 3 durante um mês corresponde a 0,6% da energia armazenável máxima do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, o que em base anual corresponde a um acréscimo de 7,2% da energia armazenável máxima deste subsistema.
Sob o ponto de vista elétrico, a UTN Angra 3 traz os seguintes principais benefícios relacionados ao desempenho elétrico da Rede Básica de suprimento à área Rio de Janeiro/Espírito Santo:
- Permite manter a qualidade do suprimento em situações de parada das UTNs Angra 1 e Angra 2, para recarga ou manutenções;
- Aumenta os limites de transmissão para a área Rio de Janeiro/Espírito reduzindo tanto a necessidade do uso de Sistemas Especiais de Proteção SEPs de corte de carga, principalmente em situações de contingências duplas quanto a de geração térmica em situações de parada das UTNs Angra 1 e Angra 2, para recarga ou manutenções ou situações de indisponibilidade de Linhas de 500 kV;
- Melhora o perfil de tensão nas malhas de 500 kV, 440 kV e 345 kV da região Sudeste, decorrente da redistribuição de fluxo através de atendimento local ao centro de carga (Rio de Janeiro e Espírito Santo).
Os custos associados ao eventual abandono do projeto Angra 3 equivalem a cerca de pouco mais do que a metade dos investimentos necessário à sua conclusão. Esse custo seria totalmente improdutivo e arcado pela União, como sócia majoritária e demais sócios da Eletronuclear, sendo o principal a Eletrobras. Entretanto, em última instância, esse custo improdutivo seria arcado pelo consumidor e pelo contribuinte. Pelo outro lado, o investimento produtivo proporcionaria ao sistema elétrico brasileiro 60 anos de 1.405 Mw de energia limpa, sem emissões de carbono, disponível mais de 90% do tempo e despachável em quaisquer condições climáticas. Isso associado a um preço de venda de energia que implicaria a um mínimo aumento médio para consumidores, da ordem de menos de 1%.
O preço de venda da energia de Angra 3, considerado alto em termos absolutos, deve-se ao fato de agregar custos associados às paralizações e atrasos decorrentes de processos longos de tomada de decisão. Cada mês adicional ao cronograma para o início da operação comercial da usina agrega algo da ordem de R$ 75-100 milhões ao custo total do empreendimento, a maior parte devido a despesas financeiras. Esse preço inclui, portanto, aquilo que poderia chamar-se de “custo de indecisão” ou “custo da ineficiência” que não se relacionam com a geração nucleoelétrica propriamente dita. Casos esses custos fossem expurgados do cálculo, o valor seria significativamente reduzido. Cabe ainda notar que durante a recente crise hídrica foi necessário pagar valores de MWh que chegaram a cerca de R$ 2.000. Pode-se dizer que se angra 3 estivesse operando na mais recente crise hídrica pela que passamos, o custo total do sistema, o que realmente arcado pelo consumidor, teria sido inferior. Depreende-se assim que, se considerarmos o longo prazo incluindo anos hídricos bons e ruins, o preço de venda da energia de Angra 3 certamente não seria tão elevado em termos relativos.
Apesar de Angra 3 ter sido planejada ao final dos anos 1970, ao longo do tempo, mudanças foram feitas na concepção original para incorporar modernizações tecnológicas, a experiência operacional do setor nuclear e as exigências das normas nacionais e internacionais, que foram revisadas no período. Isto permite que Angra 3 mantenha a segurança e o desempenho adequados aos padrões internacionais atuais.
Além desses argumentos técnicos, temos uma questão de extrema importância que corroboram para a continuidade das obras de ANGRA 3:
- A implantação de usinas nucleares gera um número expressivo de novos empregos de qualidade, diretos, indiretos e induzidos, não apenas na sua fase de construção, mas durante toda a vida útil das mesmas. Uma usina de 1.000 MW gera aproximadamente 1.200 empregos diretos, em sua maioria de nível superior ou técnico especializado. A estes, somam-se os empregos indiretos e induzidos, que segundo estudo da FGV são 2,4 vezes o número de empregos diretos. Uma central nuclear com seis usinas gera, assim, 7.200 empregos diretos e mais de 17.000 empregos indiretos e induzidos.
- Os expressivos recursos investidos na construção de usinas nucleares, que têm um índice de nacionalização superior a 65%, trazem efeitos multiplicadores na economia local, regional e nacional. Um estudo realizado pela FGV para a Eletronuclear em 2015, aponta que os investimentos realizados revertem no PIB segundo um multiplicador de 2,27. Ou seja, cada R$ 1,00 investido da construção agrega R$ 2,27 ao PIB nacional.
- As usinas nucleares são importantes fontes de arrecadação de impostos municipais, estaduais e federais, tanto pela efetiva geração de energia quanto pela atividade econômica induzida na região.
- As usinas nucleares participam ativamente do desenvolvimento das comunidades no seu entorno, através de programas de ação social, cultural, convênios com as municipalidades para obras de infraestrutura, saneamento, saúde e educação, participação de seus empregados em programas comunitários e de voluntariado, etc. Isso ocorre sistematicamente há muitas décadas em Angra dos Reis, Paraty e Rio Claro, municípios vizinhos à Central Nuclear de Angra dos Reis.
Carece, portanto, de sólido fundamento técnico ou econômico, a visão parcial dos que defendem a exclusão pura e simplesmente da fonte nuclear do planejamento energético nacional e das estratégias para a transição energética, em que poderosos interesses econômicos estão em jogo.