Maior Ameaça em 60 Anos: Rússia Suspende Participação em Tratado Nuclear com os EUA

Ilustração de Olhar Digital

Por Carolina Ambinder e Vitelio Brustolin

A Rússia suspendeu nesta terça-feira (21) a sua participação no tratado New START (Strategic Arms Reduction Treaty), que limita o número de ogivas nucleares estratégicas que Estados Unidos e Rússia podem implantar em mísseis ou armamentos. O New START havia sido assinado pelos presidentes Barack Obama e Dmitry Medvedev, em 2010, tendo entrado em vigor em fevereiro de 2011. Sob o acordo, EUA e Rússia se comprometeram a não implantar mais do que 1.550 ogivas nucleares estratégicas e 700 mísseis e bombardeiros de longo alcance. Além disso, cada lado poderia realizar até 18 inspeções de locais estratégicos de armas nucleares por ano.

A suspensão unilateral da participação da Rússia se perfaz em um agravamento na esfera do Direito Internacional, com reflexos mais políticos do que práticos. A Rússia já vinha descumprimento tratados internacionais, inclusive a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), que proíbe guerras de anexação. Os EUA vinham acusando a Rússia de violar o tratado ao não permitir inspeções em seu território, ao mesmo tempo em que a Rússia afirmava que a determinação do Ocidente em derrotá-la poderia impedir que o tratado fosse renovado quando expirasse, em 2026.

A despeito da suspensão da Rússia, o cenário continua o mesmo de 2022: este é o momento de maior ameaça de guerra nuclear desde a Crise dos Mísseis em Cuba.

Para contextualizar: entre 16 e 28 de outubro de 1962, no auge da Guerra Fria, foram vivenciados “treze dias que abalaram o mundo”, a partir da descoberta estadunidense de mísseis balísticos soviéticos, munidos de ogivas nucleares, sendo instalados em Cuba. No entanto, a Guerra na Ucrânia, cuja fase atual foi iniciada com a invasão russa no final de fevereiro de 2022, vem tendo sucessivas ameaças do uso de armas nucleares por parte da Rússia.

A Crise dos Mísseis

Em 1949, no contexto da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), foi fundada a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aliança militar do Ocidente. Em 1955, por sua vez, foi criado o Pacto de Varsóvia, a aliança do Bloco Oriental da Europa, e esses ficaram conhecidos como os “anos nucleares”, quando ambos países buscaram se armar cada vez mais.

O principal precursor da Crise dos Mísseis, porém, foi a Revolução Cubana (1959), a partir da qual Fidel Castro tomou o poder, consolidando o regime socialista no país e fazendo com que os EUA rompessem as relações diplomáticas com Cuba. Nesse sentido, em 1961, sob treinamento da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), exilados anticastristas tentaram depor Fidel Castro através de uma invasão à Baía dos Porcos.

A expedição fracassou, fortalecendo as relações entre Cuba e a URSS. Em outubro do ano seguinte, a CIA identificou a instalação de mísseis soviéticos no território cubano, a 145 quilômetros do litoral da Flórida, o que levou o Presidente dos EUA da época, John F. Kennedy, a concluir que se tratava do planejamento de um ataque contra o território do seu país. A crise só foi resolvida após Kennedy aceitar retirar os mísseis dos EUA que estavam instalados na Turquia e na Itália, apontados para a URSS. Em troca, o líder soviético, Nikita Khrushchev, concordou em retirar os mísseis que já estavam em território cubano e a não instalar outros.

Míssil Jupiter na Turquia

A Guerra na Ucrânia

Em 1990, o então presidente dos EUA George Bush prometeu ao líder russo Mikhail Gorbachev que a Otan não “se moveria nem uma polegada para o leste” além da Alemanha, se esse país fosse unificado. Essa foi uma promessa verbal e ela foi descumprida. Esse descumprimento ocorre, em boa medida, porque tanto a Otan quanto a Rússia têm objetivos expansionistas. A Primeira Guerra da Chechênia, de 1994 a 1996, na qual mais de 50 mil civis foram mortos pela Rússia, foi determinante para que países do Leste Europeu e a Otan se aproximassem.

As negociações para adesão da República Tcheca, Hungria e Polônia à Otan começaram em 1997 e se concretizaram em 1999, quando esses três países aderiram à Organização. Em 1999, teve início a Segunda Guerra da Chechênia, que perdurou até 2009. Por sua vez, de 2004 a 2009, foi a vez de Eslováquia, Bulgária e Romênia, todos países do Leste, aderirem à Otan. Além disso, durante esse período também ocorreu a adesão de três ex-repúblicas soviéticas: Estônia, Letônia e Lituânia.

Não há países “bons” ou “maus” nas relações internacionais – estas são amorais. Todos procuram os seus interesses nacionais. Isso posto, um efeito colateral para a Rússia por ter atacado a Ucrânia é o fortalecimento da Otan, com ingresso de Finlândia e Suécia. Cabe ressaltar que havia sido declarada “morte cerebral” para a Otan pelo presidente francês Macron em 2019.

Putin ambicionava ter um governo ucraniano obediente, como o da Chechênia ou o de Belarus. Para contextualizar: em 2010, um presidente pró-Rússia, Viktor Yanukovych, foi eleito na Ucrânia. Ele assinou um novo acordo que permitia a presença das tropas russas na região da Crimeia, além de autorizar o treinamento de militares na península de Kerch. Ainda assim, em setembro de 2013 a Rússia advertiu que se a Ucrânia avançasse com um acordo de livre comércio com a União Europeia, “enfrentaria uma catástrofe financeira” e “possivelmente o colapso do Estado”. Diante disso, Yanukovych recuou e se recusou a assinar o acordo com a União Europeia, refutando uma negociação que estava sendo feita há anos e que ele mesmo havia aprovado anteriormente. Essa decisão do então presidente ucraniano de suspender a assinatura do acordo entre União Europeia e Ucrânia, escolhendo, em vez disso, estreitar laços com a Rússia e a com União Econômica Eurasiática, levou multidões às ruas da Ucrânia para protestar no evento que foi inicialmente chamado de “Euromaidan”.

Euromaidan

Os protestos duraram três meses, de 21 de novembro de 2013 a 23 de fevereiro de 2014 e culminaram no impeachment de Yanukovych, enquanto ele fugia para a Rússia. Na sequência, a Rússia enviou soldados sem identificação para a Ucrânia, ocupando, sobretudo, a região da Crimeia, mas também ocupando parte da região de Donbas. A anexação foi concluída em 18 de março de 2014. Atualmente a Ucrânia considera que a Crimeia está ocupada pelos militares russos, mas não reconhece a perda do território.

A Ucrânia não era inimiga da Rússia. A Ucrânia entregou à Rússia as suas armas nucleares em 1994, por meio do Memorando de Budapeste, um acordo garantido por três potências nucleares: Rússia, Estados Unidos e Reino Unido. China e França mais tarde também aderiram; ou seja, todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. O convite para a Ucrânia ingressar na Otan estava engavetado desde a guerra da Geórgia, em 2008. Após 2014, esse ingresso se tornou inviável pelas regras da própria Otan, já que a Ucrânia se tornou território de conflito com a anexação da Crimeia e a guerra civil em Donbas.

Para resumir: a Ucrânia era um país neutro, como a Rússia queria, desde que obteve a independência em 1991, mas mudou de rumo após Putin promover a anexação da península da Crimeia, em 2014. O Parlamento ucraniano aprovou por larga maioria uma alteração na Constituição e tornou a adesão à União Europeia e à Otan objetivos nacionais. Os grupos extremistas da Ucrânia foram criados em 2014, motivados pela agressão russa dentre eles, o famigerado Batalhão Azov. Já naquela época existiam grupos extremistas na própria Rússia, como o Russkii Obraz, um grupo neo-nazista que se tornou uma grande força no cenário nacionalista radical da Rússia e que foi apoiado por Putin.

De qualquer forma, assim como a União Soviética alegou que os Estados Unidos criaram uma situação ameaçadora no Caribe, levando à Crise dos Mísseis, a Rússia invadiu a Ucrânia alegando ameaça existencial.

Considerações Finais

A Crise dos Mísseis influenciou a disseminação da expressão “Destruição Mútua Assegurada” (Mutual Assured Destruction – M.A.D), referente ao perigo do uso de armas nucleares pelas superpotências devido a sua capacidade de se aniquilar mutuamente. Hoje, EUA e Rússia acumulam cerca de 90% do arsenal nuclear do planeta, sendo crucial que fossem respeitados tanto o Tratado de Não-Proliferação Nuclear/TNP (1970), quanto o New START. No entanto, a suspensão da participação russa nesse último potencializa a dissuasão praticada por Putin desde setembro do ano passado, sobre o possível uso de armas nucleares no contexto da Guerra na Ucrânia. Como foi na Crise dos Mísseis, portanto, lembra-se a importância da diplomacia para a resolução desta que é a maior ameaça vivida em 60 anos.

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