Incidente com balão chinês nos Estados Unidos e a fragilidade no relacionamento sino-americano

Foto: Bloomberg

Por Leticia Simões

No início do mês de fevereiro de 2023, o mundo foi surpreendido por um incidente envolvendo um balão chinês que entrou no espaço aéreo norte-americano e foi abatido poucos dias depois pelas forças militares do país. As autoridades de defesa dos EUA suspeitaram que se tratava de um balão de vigilância e rastrearam seu caminho pelo território, identificando sua passagem sobre o Estado de Montana. Autoridades canadenses também relataram a passagem do objeto voador pelo noroeste do país. Posteriormente foi confirmado o sobrevoo de um segundo balão pela América Latina e Caribe.

O balão, abatido em 9 de fevereiro na costa da Carolina do Sul, media 61 metros de altura, possuía uma carga útil de algumas toneladas e sua estrutura principal era feita, em grande parte, de plástico. O objeto voava a cerca de 18 mil metros acima do solo, na estratosfera, uma altitude aproximadamente o dobro da do tráfego aéreo civil.

Imagem: The Drive

A pesquisa chinesa sobre balões de alta altitude remonta ao final dos anos 1970, dentro do contexto das Quatro Modernizações de Deng Xiaoping, e na última década, o país aumentou os incentivos à pesquisa em centros tecnológicos que lidam com a tecnologia de balões. Tais estudos utilizam o espaço próximo como um recurso de poder importante para defesa, mesmo que os balões de alta altitude possam parecer ter uma tecnologia mais antiga se comparada aos novos satélites e hardwares.

Porém, esta não é apenas uma iniciativa chinesa. Os Estados Unidos e outros países ao redor do mundo também vem trabalhando e desenvolvendo aeróstatos – aeronaves mais leves que o ar – balões e outros veículos similares. Se trata de tecnologia relativamente barata, com possibilidade de observação persistente e de longo prazo para a coleta de imagens, comunicações e outras informações.

Sobre o incidente em questão, que levou a mais uma rusga entre os governos de Pequim e Washington, ainda não houve completa concordância entre eles sobre o que significou o episódio e como ele será abordado no futuro próximo. Por um lado, o governo dos EUA afirma que o objeto se tratava de uma espécie de satélite espião, o que levou o governo do país a adiar uma importante visita que o seu Secretário de Estado, Anthony Blinken, faria à China. Por outro lado, o governo chinês alega que o objeto era um balão meteorológico de uso civil que, apesar de parcialmente manejável à distância, desviou da trajetória inicial devido a uma forte corrente de vento.

Autoridades e acadêmicos norte-americanos, em sua maioria, afirmam que a decisão do governo Biden de derrubar o balão foi correta, e que o episódio se tratou de uma violação flagrante da soberania dos EUA e do Direito Internacional. Alegam ainda reincidência no ocorrido, que já havia acontecido ao menos três vezes no governo Trump e uma vez no início do governo Biden. As autoridades chinesas, por sua vez, condenaram duramente o uso de força militar para o abatimento do objeto e alegaram poder usar o precedente para agir da mesma forma no futuro. Na segunda metade do mês de fevereiro, o principal diplomata chinês, Wang Yi, afirmou que a maneira que Washington lidou com o incidente do balão foi histérica e que violou as normas internacionais.

Apesar das forças militares norte-americanas terem abatido e recuperado partes do objeto voador chinês, identificado pela própria China como pertencente ao seu país, pouco foi revelado até o momento sobre o equipamento e a tecnologia contidos nele. Contudo, algo que pode ser afirmado sobre o incidente é que ele revela a fragilidade das relações entre China e Estados Unidos que tem outras tensões importantes no momento, como as questões relativas ao Estreito de Taiwan ou o apoio, ainda que não ativo, da China à Rússia frente a Guerra da Ucrânia.

É pouco provável que este incidente escale ou se agrave ainda mais. Apesar de reclamar da histeria e até mesmo de um exagero norte-americano sobre o caso, Pequim já sinalizava, ainda no mês de fevereiro, vontade de retomar a rotina diplomática entre os países. Entretanto, o incidente do balão chinês demonstra uma vulnerabilidade no relacionamento entre as duas maiores potências e economias do mundo e a dificuldade que poderiam ter em administrar outras crises mais significativas.

Sobre a autora: Doutora em Relações Internacionais. Professora do Unilasalle-RJ e do INEST-UFF e Pesquisadora do Centro de Estudos sobre China Contemporânea e Ásia (CEA).

 

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