Mais um capítulo da sangrenta guerra na Síria gerou forte reação pelo mundo. O governo de Bashar al-Assad foi acusado por ativistas de oposição de promover um ataque químico a Douma, no subúrbio de Damasco, no sábado, deixando dezenas de pessoas mortas. Após manifestações de repúdio de países como os Estados Unidos e até do Papa Francisco, o Conselho de Segurança da ONU anunciou para a segunda-feira uma reunião de emergência sobre o tema.
O grupo de defesa civil Capacetes Brancos, que atua em zonas não controladas pelo governo, divulgou vídeos em que aparecem vítimas, muitas delas crianças — algumas sendo atendidas com máscaras de oxigênio, outras mortas, empilhadas. Nenhum órgão, porém, conseguiu confirmar de forma independente a origem do ataque e nem quantos morreram.
Segundo a Organização das Nações Unidas, países como os EUA, a França e o Reino Unido pediram um encontro para discutir a suposta utilização de armas químicas. A embaixadora americana na ONU, Nikki Haley, afirmou que o Conselho de Segurança irá exigir uma “investigação independente que apure os fatos e culpe os responsáveis”. De outro lado, a Rússia, aliada ao regime sírio, negou o uso de armas químicas e demandou uma reunião com 15 membros para discutir “ameaças internacionais à paz e segurança”.
Ainda que o uso de agentes químicos nos bombardeios pró-Assad não tenha sido confirmado, tanto a União Europeia quanto o presidente americano, Donald Trump, demonstraram acreditar nessa proposição, lembrando outro episódio semelhante no ano passado, quando gás sarin foi usado no país, de acordo com agentes da Opaq (Organização para a Proibição das Armas Químicas). A denúncia nos bombardeios de sábado veio logo antes de os últimos rebeldes do grupo Legião do Islã saírem de Douma, em um novo acordo de retirada apoiado pela Rússia.
Além de cravar que o ataque usou armas químicas, Trump usou o Twitter também para acusar a Rússia de patrocinar os bombardeios, culpando o país e citando Putin nominalmente. O presidente também chamou o presidente sírio de “animal” e afirmou que a atitude terá um “alto custo”:
“Presidente Putin, Russia e Irã são responsáveis por apoiar o animal Assad. Preço alto a pagar. Abram a área imediatamente para ajuda e investigações. Outro desastre humanitário sem motivo”, disse o presidente na rede social. Citando o ex-presidente americano Barack Obama, Trump também criticou as determinações de seu governo, que lidou com os primeiros anos do conflito sírio, iniciado em 2011 e que completou sete anos em 15 de março: “Se o presidente Obama tivesse cruzado sua dita Linha Vermelha, esse desastre teria acabado há muito tempo”, disse, em referência à política do democrata. Por meio de um comunicado, a União Europeia condenou esse tipo de investida e afirmou que “as evidências apontam na direção de outro ataque químico pelo regime”.
Tanto o governo sírio quanto o russo, no entanto, negaram o uso de armas químicas e questionaram a veracidade das imagens. Nos vídeos divulgados por ativistas na noite de sábado, dezenas de corpos aparecem amontoados, alguns com as bocas espumando — o que pode ser um indício de uso de armamentos químicos. Crianças também são filmadas sendo atendidas por agentes de saúde, cenas semelhantes às que Trump usou como argumento para, no ano passado, autorizar um bombardeio de retaliação aos ataques com gás sarin.
De acordo com fontes sigilosas em entrevista à agência Reuters, o presidente americano aguarda uma conclusão de “alta confiança” dos serviços de Inteligência que confirmem os agentes químicos nos ataques, para poder tomar uma atitude. No entanto, a presença de forças russas em bases militares sírias na região dificultam quaisquer ataques aéreos americanos, segundo as fontes.
Na semana passada, Trump manifestou o desejo de retirar os cerca de 2 mil soldados americanos da Síria que lutam contra o Estado Islâmico. Conselheiros do governo dos EUA, porém, orientaram o presidente a aguardar a confirmação de que os combatentes jihadistas estão de fato derrotados e a manter as tropas americanas para impedir que forças iranianas e pró-Assad ganhem poder na região. De acordo com conselheiros, Putin pode considerar qualquer ataque americano a forças russas na região como uma ação deliberada de agravamento do conflito, o que poderia se traduzir em retaliações e maiores ofensivas por parte do Estado sírio e a Rússia.
A cidade de Douma era o último bastião rebelde que ainda continuava em conflito contra o governo Assad. Devido a investidas recentes feitas pelas forças governamentais sírias, apoiadas pela Rússia, que garantiram a tomada de Damasco e as regiões próximas, grupos de rebeldes têm preferido sair da região com suas famílias e rumar para o Norte do país, em que a oposição ainda tem força. Vários combatentes, no entanto, tinham decidido que ainda não era o momento de abandonar o fronte e permanecem entrincheirados na região — foi exatamente contra eles que o bombardeio ocorrido na noite de sábado foi direcionado.
Neste domingo, um acordo apoiado por forças militares russas permitiu novas retiradas de rebeldes de Ghouta Oriental, de acordo com a mídia estatal síria. Diversos ônibus carregando combatentes insurgentes foram vistos saindo da área ao redor de Douma através de postos militares do governo. A saída veio em troca da libertação de dezenas de reféns e prisioneiros de guerra que eram mantidos por forças de oposição ao governo de Assad. A retirada das tropas representa uma vitória para os combatentes pró-regime em uma ofensiva que já dura sete semanas e já conquistou diversas cidades e vilas no subúrbio de Damasco. Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, no entanto, os ataques são também dos mais sangrentos do conflito até agora, já tendo deixado mais de 1.600 civis mortos.
FONTE: O Globo