Por Mário César Flores AE (RM1)
Este artigo volta a tema de artigos meus anteriores: defesa não é assunto exclusivamente militar. Sua abrangência se estende a toda a Nação e se desenvolve em três patamares interativos e complementares – todos em déficit no Brasil.
O primeiro é fundamentalmente político – governo e Congresso, com a contribuição cultural de instituições e pessoas que pensam o Brasil. Cabe à política refletir sobre as vicissitudes internas e na ordem internacional, identificando e avaliando hipóteses plausíveis da necessidade de emprego do poder militar. Complemento natural: cabe-lhe delinear os objetivos políticos que condicionariam os objetivos estratégico- militares, naquelas hipóteses. No mundo integrado na economia, em meio ambiente, direitos humanos e informação, onde fatos numa região ou num país repercutem mundo afora, o conceito de defesa está hoje flexibilizado e se estende às intervenções promovidas sob a égide de organizações internacionais.
Em suma: cabe à política esboçar o alicerce conceitual básico da defesa – tarefa para estadistas…
O segundo patamar diz respeito ao preparo da defesa, em coerência com o alicerce conceitual básico. Preparo que, com presença variável, de grande a pequena, se estende praticamente a todos os setores da vida nacional, com ênfase no propriamente militar e no estimulo à indústria e ao desenvolvimento tecnológico de interesse da defesa. A interação das necessidades da defesa com as restrições da realidade fiscal realça o primeiro patamar como orientador do uso de recursos limitados: as situações que possam vir a exigir ação militar e seus objetivos influenciam as estratégias a serem seguidas e, portanto, as prioridades no preparo da defesa.
O terceiro patamar consiste no emprego das Forças Armadas, internacional e em conflitos irregulares. Evidentemente, Forças Armadas preparadas para emprego efetivo são úteis também como estímulo às soluções negociadas e à dissuasão de atitudes radicais adversas ao país.
Essa arquitetura conceitual, ajustada às peculiaridades internas e internacionais de cada país, vem sendo natural e espontaneamente praticada no mundo organizado, onde sua lógica prescinde da formulação de um figurino constitucional/ legal explícito. Mas isso não vem acontecendo no Brasil.
Nosso desapreço pela defesa começa na política e, a reboque, estende-se pelo País. Está sendo disseminado no Brasil o sentimento de que não há razão para se preocupar com a defesa, assunto hoje sem relevância na política, na mídia e no povo. Durante a guerra fria a macromotivação política da defesa impunha-se naturalmente: ameaça irregular interna e internacional clássica (esta muito sensível na Marinha, por 30/40 anos focada na ameaça submarina ao tráfego marítimo).
Isso está superado (no mundo) e ideias que inspirariam o preparo para a defesa entraram em eclipse quase total, na política e até em instituições de estudos de alto nível, acadêmicas e independentes, que supostamente deveriam interessar-se pelo tema e assessorar a política, mas hoje apenas o tangenciam – se tanto.
Defesa do quê, contra quem e por quê…? Perguntas dessa natureza estão na cabeça até da parcela mais bem informada da sociedade, a despeito da evidência de que vivemos uma época atribulada, num mundo a caminho de 9 bilhões de habitantes e com cerca de 200 países de interesses distintos, em que vem sendo frequente a necessidade de emprego das Forças Armadas, em cenários internacionais e internos (Colômbia/Farc…). A ideia da “solução pacífica” é aparentemente entendida no Brasil como um dogma de fé, que reduziria e até dispensaria a preocupação com a defesa.
Mas está o Brasil imune às atribulações da dinâmica da História, esse otimismo seria decididamente seguro quando projetado no futuro incerto? O Ministério da Defesa e as Forças Armadas procuram responsavelmente superar o déficit da inspiração política básica, mas o fato é que sem ela (e sem o apoio da sociedade, propensa a compartilhar e sancionar a apatia política) é mais difícil, aqui e em qualquer país, montar uma defesa nacional consistente e convincente.
A solução desse problema é complexa, mais ainda no Brasil hoje em ebulição política e institucional. Defesa não afeta o voto da grande massa eleitora, não tem peso influente na turbulenta disputa pelo poder. O combate à criminalidade e às irregularidades de toda ordem, hoje realmente sendo feito em nível caótico, pesa mais e vem substituindo na sociedade, do topo à base da pirâmide social, a ideia clássica de defesa, que, na verdade, nunca foi forte no Brasil, sem tradição no assunto. Vem se instilando no povo e na política a ideia de que o preparo do poder militar precisa enfatizar essa atribuição de feição policial. O cenário turbulento e inseguro que vivemos corrobora a ideia, mas há que controlá-la comedidamente: sua prática real precisa permanecer complementar, acessória e episódica; a intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro deve ser entendida como intervenção federal política e administrativa, e não como militar – ideia que acabará responsabilizando as Forças Armadas pelo futuro, absolvendo as incompetências estaduais.
O apelo frequente ao governo federal e às Forças Armadas levará, mais dia, menos dia, ao questionamento do poder militar clássico: bastar-nos-ia sua versão de uso interno e de controle parapolicial de fronteiras e do mar costeiro. Onde se inserem os submarinos, os caças Gripen…? O Brasil estaria, é claro, deteriorando sua já discreta presença nos problemas globais e regionais.
Resta-nos “torcer” para que as eleições produzam alguma renovação política com estrutura intelectual e cívica que pelo menos comece a praticar, sem euforia descabida, mas com sensatez responsável, a melhora da condução da arquitetura da defesa.
A ideia da ‘solução pacífica’ aparentemente é entendida no País como um dogma de fé!
FONTE: Estado de São Paulo
Temos mais de 60 mil assasinatos no ano e tem gente que ainda diz que somos pacificos kk