Tecnologia da Coreia do Norte, que fez novo lançamento, daria a Washington pouco tempo para responder a ataque. Segundo analistas, sistemas teriam consumido cerca de US$ 330 bilhões em investimentos
Por David E. Sanger e Willian J. Broad
O Pentágono está preparando o primeiro teste em três anos de seu multibilionário projeto de interceptação de ogivas norte-coreanas, e a esperança é demonstrar que um sistema que registrou resultados positivos em menos de metade dos nove testes anteriores agora está funcionando.
Mas no exato momento em que o Departamento de Defesa norte-americano busca provar que pode atingir um alvo lançado do outro lado do Pacífico e se movendo em alta velocidade no teste projetado, um foguete interceptador será lançado da costa da Califórnia na terça-feira (30) para tentar atingir uma falsa ogiva, a Coreia do Norte está apresentando um novo desafio. A Coreia do Norte conduziu recentemente disparos de teste com uma série de mísseis baseados em uma tecnologia que daria pouco tempo de alerta aos Estados Unidos em caso de ataque.
A nova geração de mísseis usa combustíveis sólidos, e permite que eles sejam retirados de abrigos protetores escavados em montanhas e lançados em poucos minutos. Isso torna ainda mais complicado o já difícil trabalho de interceptá-los, porque o sistema antimíssil norte-americano funciona melhor caso haja alerta antecipado, por satélites de observação, de que um lançamento é iminente.
Ainda mais preocupante é que os novos mísseis parecem ser de fato funcionais, diferentemente de mísseis precedentes que costumavam explodir ou cair prematuramente no mar, em seus disparos de teste. Os grandes testes recentes foram sucessos claros, e ensinaram muito aos norte-coreanos sobre como disparar mísseis ao espaço e de lá arremessar ogivas contra alvos distantes. Embora a Coreia do Norte ainda não tenha testado um míssil balístico intercontinental capaz de cruzar o Pacífico, o país vem afirmando repetidamente que é capaz de atingir os Estados Unidos com uma ogiva nuclear.
Há provas que sugerem que no ano passado os serviços de inteligência norte americanos deixaram escapar indicações de que os norte-coreanos estavam avançando rapidamente na adoção da tecnologia de combustível sólido, o que está forçando Washington a correr para recuperar o atraso, de acordo com antigos e atuais funcionários do governo norte-americano.
Um antigo funcionário norte-americano que acompanhava de perto as informações sigilosas sobre a Coreia do Norte disse que embora a situação não deva ser definida como um fracasso dos serviços de inteligência, o governo dos Estados Unidos não apreciou a rapidez com que a Coreia do Norte estava mudando de abordagem.
No domingo, o secretário da Defesa norte-americano, Jim Mattis, argumentou que os Estados Unidos não podiam esperar que a Coreia do Norte completasse seu programa de testes antes de responder vigorosamente.
“É uma ameaça direta aos Estados Unidos”, disse Mathis no programa “Face the Nation”, na rede CBS. “A retórica deles vêm sendo bem clara não precisamos esperar até que tenham um míssil balístico intercontinental equipado com arma nuclear para dizer que ela agora se manifestou plenamente”.
Na mais recente provocação, a Coreia do Norte testou na manhã de segunda-feira um míssil balístico de curto alcance, em um lançamento que violou resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas mas não representa grande preocupação para os Estados Unidos. A resposta norte-americana ao programa nuclear e de mísseis da Coreia do Norte, até o momento, incluiu uma campanha secreta de ataques eletrônicos e cibernéticos que o presidente Barack Obama acelerou três anos atrás, depois de concluir que as defesas contra mísseis tradicionais eram insuficientes.
O programa clandestino é conhecido como “pré-lançamento”, porque os ataques cibernéticos começam antes que o míssil chegue ao local de lançamento ou antes do disparo. O presidente Donald Trump se recusou a comentar publicamente sobre esses esforços, ainda que tenha feito comentários que parecem reconhecer sua existência. O teste marcado para a terça-feira envolve as defesas antimísseis mais tradicionais que os Estados Unidos lutam por fazer funcionar desde o governo Eisenhower (1953-1961). Mas é o primeiro a acontecer desde que Trump assumiu prometendo “resolver” o problema da Coreia do Norte, e desde que ele começou a reforçar as sanções econômicas e aumentar a pressão militar contra os norte-coreanos.
Mas Trump está descobrindo o que Obama já havia descoberto: interceptar mísseis intercontinentais sobre o Pacífico é imensamente difícil, mesmo quando os testes – a exemplo do que acontecerá terça-feira– são montados de maneira a propiciar as melhores condições possíveis para os interceptadores.
As ogivas se movimentam extraordinariamente rápido, mais de 6,5 quilômetros por segundo. Em guerra, os interceptadores posicionados no Alasca e na Califórnia seriam lançados e disparariam projéteis de alta aceleração projetados para obliterar as ogivas inimigas pela força do impacto – em um processo que os especialistas descrevem como “atingir uma bala com uma bala”.
Quantias imensas foram investidas nesses sistemas: mais de US$ 330 bilhões (R$ 1,1 trilhão), de acordo com uma estimativa de Stephen Schwartz, analista militar do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, em Monterey, Califórnia. Mas nem o custo elevado e nem o mau desempenho reduziram o entusiasmo do Congresso e do Pentágono – ou dos fornecedores de equipamentos militares – pela adoção de sistemas de defesa contra mísseis.
O Departamento de Defesa planeja investir mais bilhões de dólares em interceptadores, o que pode incluir um novo local de lançamento na costa leste dos Estados Unidos. Desde que o governo Bush começou a colocar o sistema em modo operacional, em 2004, seu índice de insucesso em testes contra ogivas simuladas é da ordem de 56%. O cômputo oficial é de cinco fracassos em nove tentativas, mas críticos dizem que um teste realizado em 2006 representou sucesso apenas parcial, porque o disparo do interceptador apenas resvalou na ogiva.
“Chegar perto do alvo só conta na bocha, não na guerra nuclear”, disse Philip Coyle, antigo funcionário da Casa Branca e antigo diretor de testes de armas no Pentágono, que há muito critica o sistema antimísseis como pouco confiável e os resultados de seus testes como enganosos. Se o teste em que o projétil apenas resvalou na ogiva for classificado como fracassado, o índice de insucesso do sistema seria de 67%.
Os críticos alertam que o sistema provavelmente se sairia ainda pior em uma guerra, porque os testes são roteirizados cuidadosamente. As ogivas simuladas, eles apontam, se movimentam em velocidade muito menor que a de uma ogiva inimiga real. No passado, o fato de que os norte-coreanos dependiam de mísseis de combustível líquido facilitava o trabalho de identificar alvos para os interceptadores de mísseis. Os aviões de reconhecimento e os satélites de observação norte-americanos podiam acompanhar os transportadores de mísseis e os comboios de caminhões usados para transportar combustível.
O processo de abastecer um míssil de combustível demora diversas horas, o que o deixa vulnerável a ataques preventivos e permite aos sistemas de defesa antimísseis instalados na costa oeste dos Estados Unidos que antecipem as prováveis trajetórias. Com a nova geração de armas, os combustíveis sólidos são inseridos na fuselagem do míssil na fábrica, o que elimina a necessidade de abastecê-los em campo. Por isso, o tempo de preparo de um ataque cai de horas para minutos.
“É preocupante”, disse Coyle. “O prazo de alerta diminui”. Especialistas em mísseis dizem que a adoção dos combustíveis sólidos pelos norte-coreanos causou surpresa.
Jeffrey Lewis, especialista em sistemas de foguetes norte-coreanos no Middlebury Institute, apontou no ano passado que Washington havia dado a dois tipos de mísseis submarinos, um alimentado por combustível líquido e um alimentado por combustível sólido, o mesmo código de identificação. Essa falta de distinção, ele diz, sugere que a Coreia do Norte “pegou os Estados Unidos desprevenidos”.
A Agência Central de Inteligência (CIA) norte-americana contesta essa interpretação e diz que vem acompanhando de perto os desenvolvimentos no ramo do combustível sólido. Mesmo assim, quando Mike Pompeo assumiu como novo diretor da CIA, sua primeira providência organizacional foi criar uma unidade para centralizar todas as atividades de análise e operações clandestinas contra os sistemas nucleares e de mísseis norte-coreanos, o que representa, segundo funcionários norte-americanos, um reconhecimento de que os esforços anteriores eram desconexos. No total, a Coreia do Norte já promoveu quatro testes bem sucedidos de mísseis de combustível sólido, dois no ano passado, dois este ano. Depois de um teste em 21 de maio, executado diante daquilo que Trump definiu como uma “armada” de navios de guerra e submarinos norte-americanos posicionados ao largo da Coreia, o ditador norte-coreano, Kim Jong-un declarou que sua nova linha de mísseis de médio alcance, conhecida como Pukguksong-2, estava pronta para produção em massa e em seguida para serviço ativo.
John Schilling, engenheiro aeroespacial especializado no programa de mísseis norte-coreano, previu no ano passado que a Coreia do Norte precisaria de cinco anos ou mais para colocar um míssil de combustível sólido em operação. Recentemente, depois da sequência de testes bem sucedidos, ele atualizou sua estimativa e disse que os norte-coreanos poderiam começar a colocar os mísseis em serviço este ano.
FONTE: Folha de São Paulo