Por CF Alessandro Pires Black Pereira
No momento em que avançamos nos estudos para a implantação de Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARP) operando-as a partir de nossos navios, vários outros aspectos do emprego deste sistema começam a ser observados de uma forma mais profunda e objetiva.
Durante o processo de elaboração da minha monografia na EGN no ano de 2013, vários assuntos tiveram de ser deixados de lado pela abrangência e escopo que tinha escolhido para o trabalho, mas que decididamente iriam contribuir de alguma forma para a sua relevância e prosseguimento nos estudos sobre o assunto ARP. Um deles, de grande relevância, foi a influência do Fator Humano nas operações e nos acidentes aeronáuticos que envolviam os equipamentos que já estavam em uso por diversas Forças Armadas estrangeiras, sendo eles operados a partir de navios ou baseados em terra.
Desse modo, o objetivo do presente artigo foi o de preencher essa lacuna, iniciando o processo de alerta e divulgação da matéria, relativamente novo na MB.
Sucessos operacionais têm demonstrado as suas vantagens estratégicas e do emprego dos seus sensores e equipamentos embarcados para a diminuição do efeito do conceito da névoa da guerra.
Esses êxitos levaram a um rápido desenvolvimento de diversos sistemas com características diferenciadas (asa-fixa ou rotativa, 1 rotor ou vários rotores, decolagem independente ou com catapultas, estações de controle em terra ou embarcadas, dentre outras) e para aplicações limitadas, incluindo o esclarecimento no mar, segurança interna e patrulhamento de fronteiras. No entanto, o alto índice de acidentes de ARP em serviço operacional é frequentemente citado como um elemento dissuasor para a ampliação do seu uso dual, principalmente na desejada integração com a circulação aérea geral no espaço aéreo.
Nas estatísticas relacionadas aos acidentes aeronáuticos e a sua causalidade com fatores humanos, parece não haver discriminação entre sistemas de aeronaves tripuladas ou não tripuladas, o que seria talvez esperado pelo nível de automação desses sistemas. A análise histórica fornece evidências de que o erro humano é identificado como o principal fator causal em acidentes de aviação, e é, portanto, a maior ameaça à segurança de vôo.
As taxas de acidentes envolvendo ARP chegam a 100 vezes maiores do que os de aeronaves convencionais, havendo cerca de 1 acidente a cada 1000 horas de voo. A maioria deles causados por falhas de aeronaves, mas um elevado índice também é observado para o fator humano na condução das suas operações.
Dados a cerca da análise dos fatores humanos em acidentes com ARP ainda são escassos. Todavia, o assunto vem ganhando importância desde que os orçamentos têm diminuído a disponibilidade de recursos para novas aquisições.
Na composição dos acidentes, os principais fatores contribuintes foram numa média: 25% por falha de motor, 24% por falha elétrica, 22% por erro de pouso, 10% por falha mecânica, 10% por erro de lançamento e pouso, e 9% de outros itens como acuidade visual, assuntos relacionados a sobrecarga de trabalho e de saúde, baixa proficiência, desorientação espacial, falta de coordenação da tripulação, e design da estação de controle. Os principais estudos relataram que mais de 50% dos acidentes tiveram elementos de fatores humanos, tais como as questões de proficiência, erros no pouso e falhas ou atrasos em reconhecer e responder corretamente a panes mecânicas.
Dentre as muitas recomendações emanadas destes trabalhos de pesquisa, algumas são bastante interessantes para o nosso início de operação com ARP: Criação de um programa de segurança com foco nas operações com ARP, criação de critérios de seleção e treinamento, treinamento em coordenação com os navios, melhoria nos design dos sistemas de controle GCS (Ground Control Station) e a criação de carreiras e cursos específicos voltados para a operação e manutenção desses sistemas.
Não só a escolha do melhor equipamento é suficiente para o sucesso do processo de implantação das ARP na MB, todavia outros aspectos também precisam receber atenção:
Várias Forças Armadas tem sido continuamente desafiadas a enfrentar, adequadamente, a integração de sistemas humanos para aperfeiçoar o desempenho dos sistemas ARP.
A própria adoção do termo ARP (RPA em inglês) em detrimento ao antigo “Drone” ou VANT (veículo aéreo não tripulado) foi motivado pela imagem negativa de que eram robôs sem celebro ou sem a existência de pessoalidade.
Dentre os fatores humanos mais importantes a serem observados na fase de desenvolvimento e implantação de um sistema ARP podemos realçar as deficiências de engenharia e projeto quando do delineamento ergonômico das estações GCS, causando impacto no erro humano em vários acidentes analisados. Posicionamento dos monitores, sistemas de entradas de dados (teclado, mouse, joystick, reconhecimento de voz, trackball), luminosidade no ambiente, posicionamento dos dados nos monitores, luzes de alarme, cores utilizadas, dentre outros, são detalhes que tem levado à identificação de problemas de ergonomia funcional dentro de algumas GCS.
Kiggans, em 1975, mencionou que as qualificações e status dos operadores de veículos remotamente pilotados estão entre os aspectos mais controversos do desenvolvimento deste equipamento… Opiniões sobre quem deve ser os futuros operadores variam entre o homem da rua a um piloto altamente qualificado, com formação em engenharia.
Lendo a declaração acima podemos entender um pouco a abrangência que este fator irá trazer para a condução nas operações com ARP. O piloto é um dos requisitos técnico operacionais para que sejam solucionados os problemas inerentes ao processo decisório ao longo do voo, baseado no seu treinamento, talento individual e na sua educação aeronáutica, com ciclos de decisão bastante curtos e ação proativa. Já aos pilotos da ARP são necessários para assegurar a integridade dos protocolos operacionais e de controle de toda a missão, incluindo fases específicas e que normalmente requerem grande habilidade psicomotora como o pouso e a decolagem. Questões sobre o processo de recrutamento, seleção, necessidade de experiência prévia de voo e o treinamento com currículo adequado para a qualificação são essenciais e deverão ser analisados.
O processo de formação de pilotos e mecânicos deve ser orientado para as novas tecnologias empregadas, facilitando uma melhor adaptação e melhoria do rendimento no cumprimento da missão, o que irá reduzir certamente a interferência desses indesejáveis fatores humanos nos possíveis acidentes aeronáuticos com ARP.
Segundo Raza (2011), os ARP são o elemento que carrega o fluxo de causalidade nesse ambiente de ações, ameaças e funções multidimensionais para a geração dos efeitos políticos desejados sem risco para os pilotos, com muito baixa capacidade de interceptação e a um custo muito mais baixo do que seria possível com sistemas convencionais tripulados. E, se por acaso o VANT falhar em sua missão, não se tem nas mãos o “embaraço político” de ter pilotos capturados… Pilotos são os “bens” mais difíceis e caros de se produzir em tempo de paz, e com alta taxa de perdas em tempo de guerra, cuja escassez condiciona alternativas estratégicas.
É possível verificar a importância dos pilotos nesses sistemas. Mesmo assim há certa discriminação contra os pilotos de ARP, não sendo a eles transferida a imagem romântica da atividade aérea, nem tampouco os registros de horas de voo e o alcance de respectivas marcas, tão importantes para o desenvolvimento das suas carreiras aéreas. Neste aspecto as análises do fator humano relacionado à motivação para a atividade e clima organizacional se fazem importantes. Devemos do mesmo modo evitar a resignação de pilotos e mecânicos causada por terem sido, inicialmente, deslocados da linha de voo para voarem ARP, o que poderá trazer a noção que eles poderão nunca mais sentir as forças G novamente nas suas carreiras, numa cabine de verdade.
Outro consideração é o impacto causado pela atividade no campo da saúde ocupacional. Sintomas de stress, alterações de humor, alteração nos níveis de atenção relacionados com a tarefa do GCS altamente automatizado, cognição e desempenho na pilotagem têm aparecido devidos, principalmente, às longas jornadas nas estações de controle causadas pelo aumento da demanda para que essas aeronaves estejam no ar.
Também foi observado que um dos maiores problemas encontrados é a dificuldade experimentada por pilotos externos durante pousos e decolagens. A maioria desses sistemas ARP possui o piloto externo que executa estas fases mais delicadas, como uma aeronave normal, (utilizando-se normalmente um joystick ou um rádio igual ao utilizado por aeromodelistas) e o piloto interno (que está a frente de uma estação de controle) que assume o controle após a decolagem, determinando automaticamente através de um software altitude, velocidade e rumo que ela deve tomar.
São muitos os desafios enfrentados pelo pessoal de manutenção de ARP, especialmente em áreas onde as tarefas de manutenção diferem daquelas as quais o pessoal já estaria acostumado.
Podemos destacar os problemas de hardware, incluída a montagem e desmontagem frequente de sistemas; falta de informação sobre padrões de falha de componentes que permita a eles planejar a manutenção de forma eficaz; dificuldades associadas à documentação ausente ou inadequada e a necessidade de tomar decisões sobre o resgate de componentes.
Outro questão relevante na condução dos serviços de manutenção é a cultura organizacional de que as ARP seriam “descartáveis”. Na verdade, elas possuem, sim, um ciclo de vida bem menor que uma aeronave convencional e em caso de falha eles não estarão colocando uma tripulação em risco. Mas essa cultura deve ser combatida, na medida em que a ARP já não permite uma perfeita consciência situacional do seu operador, o que poderia amplificar em muito os resultados de um acidente. Não se devem assumir riscos nos serviços de manutenção que normalmente não seriam corridos em uma aeronave convencional.
Seremos desafiados, dentro de um curto espaço de tempo, a enfrentar adequadamente a integração dos sistemas ARP com nossos navios e o seu pessoal, de forma a transformar, com um índice mínimo de acidentes, o conhecido binômio navio –aeronave num novo termo: trinômio navio-aeronave-ARP. Sem sombra de dúvidas, este novo equipamento virá a complementar a operação das nossas aeronaves tripuladas embarcadas, minimizando os efeitos da névoa da guerra, e aumentando os níveis de segurança da operação militar, ao retirar as tripulações de um possível ambiente hostil, deixando que eles se exponham somente quando realmente necessário.
A adoção de ações que mitiguem a interferência dos problemas de integração do homem com o sistema deverá ser mais forte dentro das áreas tradicionais de fatores humanos, como por exemplo, a ergonomia, especificamente nas estações GCS.
No processo de seleção e treinamento dos pilotos e operadores de sensores a preocupação com o fator humano será constante. Os escolhidos sentir-se-ão valorizados pelo o que estão fazendo, mas não será exatamente o que eles imaginaram nos seus sonhos estilo TOP GUN, e poderão ter problemas quando enfrentarem o ar fechado de um contêiner com ar condicionado e a discriminação de alguns de seus pares alados.
Com isso, fica claro que, a partir desse momento, é imprescindível o empenho de vários setores para que, à medida que é iniciado o esforço da MB em demonstrar a viabilidade e a eficácia das ARP, operando a partir de seus navios, haja uma procura crescente para um melhor desempenho do sistema por completo e a redução dos aspectos relacionados com o fator humano, especificamente, voltados para a redução das taxas de acidente que outras FA tem se visto vítimas. Sistemas de aeronaves remotamente pilotadas não devem ser centrados no modelo de aeronave que será utilizada, e sim no homem que irá operá-la.
Os alardeados benefícios e promessas oferecidas pelos fornecedores de sistemas ARP possuem uma infinidade de implicações para a sua implantação na MB. Em vez de ser a solução para o erro humano, os sistemas ARP têm a oportunidade de abrir, de vez, um novo capítulo na análise e na crítica do fator humano na Aviação Naval.
Fatores contribuintes que podem levar à perda de ARP
Fonte: 323-99 Range Commanders Council – RANGE SAFETY CRITERIA FOR UNMANNED AIR VEHICLES.
FONTE:Revista da Aviação Naval
Excelente artigo. Parabéns pela abordagem.
É uma tecnologia ótima quando usada corretamente, em busca de criminalidades, defesa de fronteiras, terra e mar, busca e resgate, pama o meio ambiente e etc… Mas nas mão principalmente dos EUA não é assim, tanto que não existe o fator humano nos drones e sim o fator psicopatas que os pilotam.