Por CC (T) Robinson Farinazzo Casal
“O advento dessas aeronaves representará significativo salto quântico na capacidade de operação da esquadra pois estenderá o alcance de detecção de alvos aéreos e de superfície para além do horizonte.”
Atlântico Sul, 13 de agosto de 1996.
A aeronave Grumman P-16 Tracker do 4º Esquadrão, do 7º Grupo de Aviação (4°/7º GAV – Esquadrão “Cardeal”), retorna de uma missão de esclarecimento marítimo e vetoramento de alvos para helicópteros SH-3 da Marinha do Brasil (MB).
O P-16, matrícula FAB 7034, estabilizado a mil pés acima das ondas na perna do vento, “paquera” o convoo do Navio Aérodromo Ligeiro (NAeL) Minas Gerais (A11). Gira base com elegância, perdendo altura graciosamente sobre o mar, num flagrante contraste com a apreensão frenética dos tripulantes do navio, envolvidos na atividade aérea.
No enquadramento da final, o copiloto “canta” o velho momento de segurança (que se tornaria, ao longo dos anos, a jovial saudação dos “Cardeais”): “BOLINHA, TREM, PASSO e GANCHO”.
O piloto, assentindo com a cabeça, verifica que: o alinhamento e nivelamento da “bola” do espelho de pouso estão corretos; as luzes indicadoras do trem de aterrissagem exibem a cor verde, atestando que o mesmo está baixado e travado; as alavancas do passo da hélice foram posicionadas em regime de rotação mínima, quando então “agarram” o ar com muita avidez; e o gancho de parada (hook), está arriado. Repete, então, calmamente, mas com voz firme: “BOLINHA, TREM, PASSO e GANCHO”.
Nivela as asas,”crosscheca” a alavanca de flaps, adequa o regime de potência e vem para o toque estabilizado “na rampa”. O pouso é sempre tenso, porque, embora esteja mais leve do que a decolagem, a aeronave ainda está “suja”, lenta e a baixa altura, buscando tocar, a quase 100 milhas por hora, uma pista de aço flutuante que se afasta à velocidade de 20 nós, com movimentos de caturro e balanço que nunca ajudam.
Diante das condições quase marginais, o toque no convoo se dá com a possível maestria, se consideradas as 10 toneladas da aeronave, desacelerando de quase 200Km/hora em menos de 100 metros. É uma conta que, caso não fechada com extrema exatidão, redunda em fatalidade.
Mas naquele dia acabou bem, à exceção do fato de, após o pouso, um dos motores do 7034 ter parado e não poder ser reparado com os recursos de bordo. Algum tempo depois, a FAB desativou essas aeronaves. Foi a última vez que essas hélices rugiram em convoos da MB.
Em 1998, em razão de dispositivo legal, a MB voltou a operar aeronaves de asas fixas.
No dia a dia da operação com jatos, sentiu-se a necessidade de uma aeronave naval de asa fixa que operasse embarcada e fosse apta a realizar reabastecimento em voo (AAR – Air to Air Refueling), com capacidade de transferência de combustível superior ao atual sistema “Buddy to Buddy”, em uso no AF-1. Além disto, deveria cumprir tarefas logísticas de transporte de carga e pessoal para bordo (COD – Carrier on Board Delivery). Em adição, também se considerou imperiosa uma segunda aeronave, voltada para missões de alerta aéreo antecipado (AEW – Airborne Early Warning).
Essas demandas implicariam em soluções complexas, de vez que existem poucas aeronaves que cumprem as missões ora elencadas e se encaixem no envelope de pouso do nosso NAe São Paulo.
A solução proposta foi tão inusitada quanto inovadora: adquirir aeronaves S-2 Tracker e Tracer da US Navy, que se encontravam estocadas no deserto do Arizona, EUA, e que, após criteriosa inspeção de células, seriam remotorizadas com grupo motopropulsor, tipo turboélice, aviônicos digitais, barramentos eletrônicos modernos e sofisticado sistema de missão customizado para as necessidades da MB.
Com enfoque numa visão expandida das suas operações aeronavais, a MB tem buscado modernizar esses meios de maneira que, ao se concluir o projeto, eles possam proporcionar, dentre outras, as seguintes capacidades:
– Realizar abastecimento logístico por meios aéreos ao NAe São Paulo;
– Reabastecerem em voo as aeronaves AF-1, aumentando-lhes o raio de ação e;
– Prover alerta aéreo antecipado à frota em operação.
A tarefa, além de hercúlea, é enormemente cerebral, de vez que, praticamente. se trata de construir uma aeronave do zero. Os novos motores lhe conferirão diferentes curvas de perfomance, ensejando novo envelope de operações.
Em face da premissa de que as aeronaves AEW deverão permanecer muito tempo em voo, pois a natureza de sua missão exige que sejam as primeiras a decolar e as últimas a pousar a bordo, visualiza-se a necessidade de dotá-las com motores de extrema confiabilidade, além de projetar a ergonomia da cabine de maneira a mitigar ou retardar os efeitos da fadiga da tripulação.
O pacote eletrônico embarcado, além de bastante complexo, demandará grande consumo de eletricidade, de modo que a planta elétrica da nova aeronave será completamente redimensionada em relação ao projeto original.
Assim, com o objetivo de diminuir os riscos do projeto, a MB optou por executá-lo em duas fases: na primeira, COD/AAR, as células receberão os novos motores turboélices, receberão tratamento anti-corrosão, equipamento de transferência de combustível, aviônicos digitais e sistemas de comunicação, sendo configuradas para emprego geral (transporte de pessoal, carga e REVO).
Consolidada essa etapa, iniciar-se-á o projeto AEW, de envergadura mais difícil e trabalhosa, ocasião em que as aeronaves receberão, além de um potente radar retrátil de busca aérea e emprego tático (mas que preservará igualmente sua capacidade meteorológica e de navegação), um sólido sistema de missão embarcado integrado, e lançadores de chaff and flare.
O advento dessas aeronaves representará significativo salto quântico na capacidade de operação da Esquadra, de vez que estenderá o alcance de detecção de alvos aéreos e de superfície para além do horizonte, incrementará o raio de ação dos AF-1 Skyhawks e proporcionará melhor flexibilidade logística no reabastecimento ao NAe São Paulo em suas comissões.
Essa tarefa só está sendo possível graças ao empenho de quase uma centena de aviadores, engenheiros, marinheiros e técnicos do EMA, DGMM, ComOpNav, DSAM, DPMM, DAerM, DEnsM, DOCM, DCTIM, ComForAerNav, CIAAN, BAeNSPA e GFRCOD, dedicados e incansáveis nas complexas tarefas de definir requisitos e procedimentos; projetar; contratar; adquirir; fiscalizar a montagem; receber; testar; voar; treinar os pilotos, mecânicos e operadores de sistemas; construir hangares e instalações; e elaborar manuais.
A todos esses profissionais um BOLINHA, TREM, PASSO e GANCHO!
FONTE: Revista Aviação Naval
Parabéns, excelente matéria. Torço para que a aviação naval concretize todos os seus planos.
Caso tenham gostado, também publiquei “As tres lições do Almirante Mitscher”, no blogceiri e revista da Aviação Naval , “O Almirante que lançou a bomba atomica” na edição digital e física da revista Passadiço de 2013, “O pai das marinhas nucleares”, sobre a vida do Almirante Rickover na edição digital e física da revista Periscópio de 2013 , “Ejetar ejetar , viver” e ” O último milagre da noite” na revista de aviação Naval, em edição física e digital no site .
Uma perda de tempo dinheiro, nos batemos palma pra isso. Com o dinheiro roubado dos cofres do governo daria pra fazer dois Naes novo com os F/A – 18 E/A-18 E-2 e os C-2 mais estamos nos anos 60 ainda.
Primeiramente gostaria de parabenizar o site e o CC Robinson por esse magistral artigo. Gostaria ainda de pedir, a quem o tenha, pedir o email do CC Robinson, pois sou um velho amigo e gostaria de entrar em contato.
Thiago, por favor. Vc é velho amigo do Robinson de onde ? Ele é meu conterrâneo e padrinho de casamento. Entre em contato comigo (rogeriotadeu@hotmail.com) que repassarei a mensagem. Aí ele pode entrar em contato com você. Abraços.
desculpem a ignorância, muito provavelmente eu seja o mais amador dos leitores do DAN, esse avião poderia ser usado para infiltração de comandos em território inimigo, por exemplo, ou seja, ele poderia ser uma plataforma de salto de paraquedas? se sim, quantos soldados equipados ele levaria?
Poder, creio que ele poderá, mas quantos caberiam ainda é cedo para afirmar. Vai depender das modificações que estão em andamento.
Quando tudo estiver operacional, nossa marinha terá meios de executar melhor sua nobre tarefa, tudo isto realmente custou e esta custando muito esforço e dedicação daqueles que querem ver a marinha brasileira como ela merece: Soberana em suas águas.
Ótimo artigo, parabéns ao autor e ao pessoal do DAN em publicá-lo.
Até mais!!! 😉
Belo txt. Apenas me permita um reparo. No início é dito: “P-16 Tracker do 4°/7° GAV”. Os P-16 nunca operaram no 4°/7° GAV, mas somente no 1° GAE. O 4°/7° GAV foi criado depois da saída dos P-16, cujo último exemplar foi entregue ao MUSAL em dezembro de 1996.
Perfeito. Eu não quis alterar o texto.
Uma dúvida que sempre tive a respeito,as instalações e hangares deste esquadrão vão ser o mesmo que os AF-1 ou serão construidos em São Pedro? Caso sejam construidos qual sera o lugar do esquadão na base?
Será construído em frente ao hangar do HU-1, porém do outro lado da pista.
Mal vejo a hora de ver as primeiras operações dos A-4M e KC-2 e S-2 AEW a todo vapor a bordo do NAe São Paulo.
Se viesse no mesmo nível dos AEW da USN seria muito bom. No nível dos franceses acho que é totalmente possível!
A Marinha Francesa opera o E-2C a partir do CDG
e essas aeronaves foram atualizadas ao último
padrão, estão melhores que alguns esquadrões
da US Navy com E-2Cs mais antigos e só perdem
para o novo E-2D.