Brasileiro vai atrás do sonho de lutar numa guerra e chega ao Afeganistão
Depois de não conseguir entrar na Aeronáutica, Rafael Vieira, 28, deixou o Brasil em 2007 para ir atrás do sonho de ser soldado. Ele entrou no Exército dos Estados Unidos e passou pela guerra do Afeganistão duas vezes. Da primeira, ficou concentrado em ações de engajamento com a população. Da segunda, teve de enfrentar de frente os ataques que eram realizados pelo movimento radical islâmico Taleban.
Em dezembro de 2007, ao embarcar rumo à minha primeira missão, não conseguia acreditar que o sonho de ser soldado se tornava realidade. Isso só foi possível nos EUA. No Brasil, tentei entrar na Aeronáutica, mas não consegui.
A vontade de ser soldado vinha desde criança. Toda vez que assistia ao filme “Rambo”, dizia à minha mãe que queria ir para uma guerra e ajudar os inocentes que sofriam com os horrores do conflito.
Ela sempre dizia que “o Brasil não declara guerra a ninguém”. Essas palavras, que poderiam dar a entender que meu desejo jamais aconteceria, cruzaram minha mente quando o treinamento para infantaria começou. Foram 21 semanas que mudaram minha vida.
E não só consegui ser um soldado, como, pouco tempo após terminar a preparação, entrei numa batalha que ganhou projeções globais: a Guerra do Afeganistão.
Tive duas passagens pelo país. Na primeira, fiquei por três meses na cidade do Kandahar, no sul. Éramos escalados para construir escolas, levar eletricidade às vilas, distribuir sapatos às crianças e dar sementes a plantações.
Nesse período, o Taleban representava uma ameaça fantasma. Estava preparado para enfrentá-lo, mas o perigo pouco se apresentava.
Na segunda, um ano e meio depois da primeira passagem, em 2010, fiquei em Argahndad, perto de Candahar. Daquela vez foi diferente. Nossa missão era do tipo “search and destroy” (procurar e destruir, em inglês), em que entraríamos em conflito direto com o Taleban. Nosso principal objetivo ali era liberar o povo daquela opressão.
Ao chegarmos, encontramos forte resistência da milícia. Nosso pelotão sofria ataques diariamente. Virei líder de uma seção de morteiros, e sob meu comando estavam quatro soldados.
Uma das armas mais temíveis que enfrentamos foram os IEDs (dispositivos explosivos improvisados, na sigla em inglês). Essas bombas não tinham poder para matar, mas conseguiam amputar uma perna ou um braço.
Perder um membro, para um soldado da infantaria, podia ter um efeito pior que a morte –e isso instiga nossos instintos selvagens, aumentando a vontade de matar.
Em casos como esse, quem está cuidando do soldado ferido deve, apesar do medo e da adrenalina, manter-se concentrado e agir calmamente.
Tive essa experiência quando ouvi um chamado de emergência vindo pelo rádio. Numa patrulha, um dos nossos soldados pisou numa IED. Eu havia recebido treinamento para atuar como paramédico, então corri até a enfermaria para esperar pelo meu colega ferido.
A bomba havia decepado a perna dele do joelho para baixo. Mesmo com toda a dor, estava lúcido. Fizemos os procedimentos necessários, e o soldado foi levado, de helicóptero, ao hospital, que ficava na nossa base militar.
O episódio não durou mais do que 15 minutos e, mesmo meia hora depois, quando estava lavando o sangue das mãos, vi que a guerra tinha apenas começado para mim.
Tive a sorte de ter outro brasileiro comigo na mesma unidade, meu grande amigo Tavio. Passamos muitas noites acordados conversando em português e escutando O Rappa –banda que, além de adorarmos, nos ajudava a matar o tempo e a saudade do Brasil.
Nove meses depois da segunda chegada ao Afeganistão, retornei aos EUA. Quando entrei no avião, olhei para trás e, como outros soldados que lutaram na linha de frente, sabia que uma parte de mim havia ficado para sempre perdida na guerra, onde ganhar ou perder é um detalhe que fica esquecido.
Dezoito horas depois, estava abraçando os meus filhos e a minha mulher.
Sabia que começaria a ser preparado para uma nova guerra, caso a paz mais uma vez ceda espaço para um novo conflito.
FONTE: Folha de São Paulo – Leonardo Vieira