Meus dois anos seguintes, 1961 e 1962, como Cadete do Ar, me trazem boas recordações, e outras mais ou menos. Mais ou menos por que o 2º ano-aviador foi uma fase de poucos vôos, pois a maior parte do tempo foi dedicada a estudos teóricos.
Na época e com pouca experiência de vida, eu queria ser somente aviador e qual não foi a minha surpresa quando deparei-me com uma série de matérias teóricas, básicas e de administração da Aeronáutica. Eu estava sendo formado Oficial Aviador e não sabia disso.
Continuava a voar o Fokker T-21 solo e com um instrutor. Lembro de um vôo particularmente gozado. Foi no dia 19 de junho de 1961, T-21 0762, com o Ten Porto.
Decolei dos Afonsos e o Ten Porto me instruiu para ir para o Aeroclube de Nova Iguaçu a fim de treinar “aproximações”. Essa manobra consistia em acertar a cabeceira da pista na altura e velocidades certas para pousar. As aproximações eram de 360º, 270º, 180º e 90 º, evidentemente com altitudes diferentes. Pois bem, ao nos aproximarmos de Nova Iguaçu, o Ten Porto reduziu o motor e disse-me para alcançar a pista sem mexer na manete de potência. Estávamos a uns de 700 pés de altitude e distante da cabeceira da pista oposta. Na minha pouca vivência aviatória, achei que estávamos muito alto e baixei todo o flap (superfície móvel da asa utilizada para aumentar a sustentação no pouso). O instrutor falou-me que em aviação só se baixa todo o flap com o pouso garantido. Disse-me que eu estava fazendo uma “ignorância aviatória” e que para provar isso deixaria-me prosseguir para aprender a lição. “Pilotaço arrogante”, fiz um sinal para ele significando “me aguarde”. Ele ficou uma “fera” e disse-me que eu iria “quebrar a cara”. Fui planando, com o motor em marcha lenta, fiz uma curva de aproximação para a pista mantendo sempre a velocidade de aproximação, 65 knots. Qual não foi a nossa surpresa quando cruzei a cabeceira da pista, asas niveladas, altitude correta e a velocidade ideal.
O pouso foi perfeito
O Ten Porto, um nordestino grandão de voz grossa e poucos amigos, não gostou e disse-me que iria me mandar jogar no “Lago do Solo” quando pousássemos de volta aos Afonsos. Não é que o “cara” teve a paciência de acompanhar a formatura dos cadetes de volta para o prédio dos alojamentos e ao passar no tal lago ordenou que a cadetada me jogasse no laguinho? Ninguém entendeu nada pois o Lago do Solo somente era usado quando a cadete voava sozinho pela primeira vez.
Voltei para o alojamento todo molhado, inclusive as botinas, mas contente com a sorte que tinha me abençoado. Até hoje não entendi como o avião chegou certinho na cabeceira da pista em uso. Que foi uma ignorância aviatória, isso foi.
Outro vôo que me lembro e por ter sido uma indisciplina de vôo, vou contá-lo pela primeira vez na certeza de que não serei mais punido após 52 anos. Novamente, influenciado pelos “papos de alojamento” ouvi comentários de que o instrutor ensinou a um colega meu, não lembro o nome, a dar um rasante. O “macete” era observar a direção do vento da superfície, qualquer sinal de fumaça no solo servia, e voar contra o vento que seria mais seguro. Pois bem, decolei dos Afonsos no dia 11 de agosto no T-21 nº 0797 em direção ao Aeroclube de Nova Iguaçu subindo para 300 ft. Contornei a Serra de Madureira e prossegui me orientando pela Via Dutra em direção ao Vale de Itaguaí. Imaginei que lá por aquelas bandas nenhum instrutor iria ver-me cometendo uma indisciplina de vôo. Na época dava desligamento sumário. “Clariei” a área e desci para um rasante. O vôo foi interessante e sem maiores problemas, voltei para pouso contornando novamente a Serra de Madureira. Só anos mais tarde tomei conhecimento que estive voando na área de aproximação da pista 04 da Base de Santa Cruz. Por sorte não encontrei nenhum Gloster Meteor (F-8) do 1º Grupo de Caça.
Nesse ano teve um acontecimento digno de nota que nada tem a haver com meus vôos. A inauguração da cidade de Brasília pelo Presidente Juscelino Kubitschek. Um grupamento da Escola de Aeronáutica iria desfilar na Parada Militar em Brasília, alusiva ao evento. Fui escalado e no dia 21 de outubro de 1961 embarquei no C-54 2042 comandado pelo Brig Travassos. As lembranças não aviatórias não fazem parte deste relato, porém lembro-me que fiquei impressionado com o tamanho daquele avião, com seus quatro motores PW R-2000-2SD-BG Twin Wasp com uma potência de 1.450hp cada um. O avião era pesado, lerdo mesmo, fazia curvas suaves e voou a maior parte do tempo reto e nivelado. Achei que seria muito monótono pilota-lo, isso porque eu não sabia na época, que existia um tal de piloto-automático. Aviões grandes, definitivamente não eram “a minha praia”. No outro dia, após o desfile, voltamos para o Rio de Janeiro “reto e nivelado” na mesma aeronave.
Um fato marcante, no início do 2º ano, aconteceu no dia 21 de fevereiro de 1961
No regresso das férias, em Porto Alegre, no Aeroporto de Florianópolis, encontrei o Cap Martinho. Não o conhecia, porém como eu estava fardado, ele me perguntou se estava voltando para os Afonsos. Com minha resposta positiva, ordenou-me a pegar as minhas coisas e embarcar no avião dele, que iria direto para os Afonsos em vez de pousar no Galeão. Maravilha, me economizaria tempo e dinheiro. Feliz da vida, peguei minha maleta e então descobri na pista o avião do Cap. Martinho.
Era um avião a jato pequeno de 4 lugares. Lembro-me bem do que estava escrito na sua empenagem vertical: C-41 2927. Com apenas um ano de FAB iria voar num jato executivo, conhecido como “Parisinho”, reservado somente para as mais altas autoridades da Nação.
Uma hora e cinquenta e cinco minutos após a decolagem pousávamos na pista 08 do Campo dos Afonsos. Jamais vou esquecer este vôo, dando-me conta pela primeira vez, que agora pertencia a um seleto grupo de profissionais e a uma organização nacional poderosa: a Força Aérea Brasileira.
A constatação desse fato mais o ano de instruções teóricas aeronáuticas, elevaram-me a um nível de consciência do que a FAB esperava de mim como Oficial Aviador.
O ano foi passando e os vôos de T-21 tornaram-se rotineiros e sempre prazerosos.
Aconteceu também em 1961, um evento que merece ser relatado: a instrução e o salto de paraquedas no Campo de Gericinó, na Baixada Fluminense. Foi uma experiência maravilhosa, onde aprendíamos uma técnica de sobrevivência pessoal, caso o avião sofresse uma pane catastrófica ou fosse abatido em combate.
Tivemos uma ou duas semanas de treinamento e logo após, o salto em Gericinó. Todos os cadetes saltaram no primeiro “GO” sem vacilações. Aqui cabe o reconhecimento do profissionalismo dos Instrutores do Escola de Paraquedistas do Exército, pois a missão da Escola havia sido cumprida 100% exitosa.
O que mais me impressionou, entretanto, foi o silêncio absoluto durante a queda. Acredito que o som sofre os efeitos da gravidade. A medida que descia, comecei a ouvir os sons da terra: algumas buzinas oriundas da Avenida Brasil; o barulho do escapamento de algum caminhão e assim por diante até ser engolfado pelos ruídos normais comuns aos terráqueos. Percebi, então, que os pássaros voam no silêncio. Deve ser por isso que são os mestres do vôo.
Revendo minhas anotações dos vôos de 1961, percebi um fato no mínimo curioso. Durante todo o ano voei somente com um instrutor, o Ten. Porto e solo alternadamente, perfazendo apenas 27h30min de vôo;
O ano terminou sem mais percalços e fui passar as férias de fim de ano com meus pais na cidade de Dom Pedrito (RGS). Ao regresar para os Afonsos, no próximo ano, iria enfrentar um novo avião o North America, Texas, conhecido na FAB como T-6.
Muito bom, Mestre Danilo!
Obrigado por compartilhar suas lembranças!
Fernando Parodi