Ao custo de R$ 110 milhões, as Forças Armadas e os governos estadual e municipal montam uma operação de guerra para proteger o papa na visita ao Rio.
Por Hudson Correa e Ana Luiza Cardoso
Repleta de traços sinuosos, a rodovia federal BR-101 serpenteia entre o mar e a Mata Atlântica, no município de Angra dos Reis, litoral sul do Estado do Rio. A 40 quilômetros de distância, uma placa anuncia que as três usinas nucleares estão situadas logo depois da próxima curva. Nas últimas semanas, os motoristas que passaram por esse ponto pisaram surpresos no freio, ao avistar um caminhão do Exército, parado no meio da rotatória de acesso às usinas. Espalhados pelo local, soldados armados com fuzis vigiam a estrada. Curiosos baixam o vidro do carro para tentar entender o que se passa.
Não se trata de mero treinamento. Um batalhão com 70 homens da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada, com cinco caminhões e duas caminhonetes, montou três bloqueios para proteger as instalações nucleares de um eventual ataque terrorista. A vigilância incomum faz parte de um grande e minucioso esquema, montado pelas Forças Armadas para a visita do papa Francisco ao Rio de Janeiro.
Em sua primeira viagem internacional desde que assumiu o mais alto posto da Igreja Católica, em março deste ano, o papa chega ao Rio no próximo dia 22 com uma agenda repleta de eventos. Ao longo de seis dias, serão pelo menos 13 compromissos públicos, entre eles uma missa campal para 2 milhões de pessoas e a visita a uma favela pacificada. Tudo sob o atento olhar das forças de segurança.
Durante três semanas, ÉPOCA obteve documentos e fez várias entrevistas para traçar o mapa da inédita operação de guerra, planejada nos últimos meses por Exército, Marinha e Aeronáutica (leia o quadro na página seguinte). As Forças Armadas estão encarregadas de missões extraordinárias de defesa, como se o Brasil estivesse prestes a ser atacado. Não é um simples reforço ao esquema de segurança pública e combate a criminosos corriqueiros, tarefas a cargo das polícias estaduais e federal durante a visita do papa. Além das usinas de Angra, o Exército ocupa desde junho outras 13 instalações, entre subestações de energia, antenas de radiodifusão, estações de tratamento de água e até a refinaria da Petrobras em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Boa parte da tropa estará aquartelada, para poder sair às ruas numa eventual emergência. Caças F-5 da Força Aérea podem decolar a qualquer momento para interceptar aeronaves suspeitas sem autorização de voo. A Marinha fará patrulhamento no litoral. Fuzileiros navais estarão preparados para avançar sobre favelas ainda sob o domínio do narcotráfico, caso seja necessário.
“A principal preocupação é com um ato de terrorismo”, disse a ÉPOCA o general de divisão do Exército José Alberto da Costa Abreu, a mais alta patente no comando da operação. “Não há indícios de que alguma coisa esteja planejada, mas claro que existe uma possibilidade.” Ele considera as ações inéditas e feitas numa escala sem precedentes. Ao todo, serão mobilizados 8.600 homens do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
Não será a primeira visita de um papa ao Rio de Janeiro. O carismático João Paulo II esteve na cidade em 1980 e 1997. O que torna a operação de agora tão diferente? Para o Exército, a diferença está na Jornada Mundial da Juventude, evento cuja principal atração é a peregrinação papal. O encontro atrairá um total estimado em 2 milhões de jovens para missas e catequeses, entre os dias 23 e 28 de julho. Esse contingente movimentará mais de 15 mil ônibus, em uma cidade cujo trânsito congestionado mal suporta os 9 mil que já circulam diariamente. Na avaliação do general Abreu, uma multidão desse porte também poderá virar alvo de terroristas, como ocorreu na maratona de Boston, nos Estados Unidos, em abril passado.
No total, 1.200 militares do Exército serão responsáveis por guardar as 14 instalações consideradas estratégicas, incluindo as usinas de Angra. São soldados e oficiais com experiências em ações internacionais, como a missão de paz no Haiti. Também estão preparados para a realidade brasileira. Muitos participaram, em 2010, da ocupação das favelas do Complexo do Alemão, na Zona Norte, então dominadas pelos mais violentos traficantes de drogas do Rio. Outros 4.600 homens cuidarão Usado para interceptar aeronaves suspeitas que estejam em alta velocidade da segurança da área onde haverá a missa campal com o papa, em Guaratiba, na Zona Oeste do Rio. Em torno de 2 milhões de jovens se reunirão e acamparão num espaço equivalente a 140 campos de futebol. O Complexo da Maré, um conjunto de 15 favelas dominado por traficantes de drogas e por milicianos, será vigiado por 800 fuzileiros navais. A Polícia Militar ocupará quatro outras favelas com 45 mil moradores, situadas no bairro de Santa Cruz, próximo ao local da missa papal em Guaratiba. O papa Francisco visitará a favela da Varginha, no Complexo de Manguinhos, na Zona Norte, comunidade hoje ocupada pela polícia.
O desafio do governo é garantir a segurança do papa sem militarizar o Rio de Janeiro. Para isso, não haverá tanques nas ruas. Os soldados estarão aquartelados, de prontidão, para agir diante de alguma situação que fuja ao controle das polícias. Segundo o Exército, mais de 1.000 homens que ficam em Niterói, na região metropolitana do Rio, poderão intervir na orla da Praia de Copacabana, onde o papa assistirá à encenação da Via-Sacra. Até o espaço aéreo nos locais onde o papa estiver cumprindo agenda ou mesmo descansando ganhará status de “área vermelha” e ficará fechado a voos. Caso uma aeronave ultrapasse o limite permitido sem autorização da Aeronáutica, a Força Aérea acionará caças F-5, turboélices Super Tucanos ou helicópteros H-60 para interceptar o avião suspeito. A Marinha patrulhará as águas das baías de Guanabara e Sepetiba, esta última próxima ao local da missa campal.
O lº Distrito Naval deverá operar com 20 embarcações, incluindo dois navios patrulhas oceânicos, com autonomia para ficar mais de 30 dias no mar e estrutura para receber e abastecer aeronaves.
O Ministério da Defesa informa que gastará R$ 27,5 milhões com as ações das Forças Armadas. O governo federal também desembolsará R$ 30 milhões com a segurança pública. Somando as despesas do governo do Estado e da prefeitura do Rio, serão gastos R$ 110 milhões na operação de guerra. Será mais um teste para uma cidade cada vez mais acostumada a receber turistas e visitantes ilustres do exterior.
FONTE: Época