Por Andrei Smirnov
Na Nicarágua tem pela frente um “megaprojeto do século XXI” no valor de 40 bilhões de dólares. O parlamento da república aprovou a lei que concede a uma companhia chinesa o direito de construir o novo canal que irá ligar o oceano Atlântico ao oceano Pacífico.
Para a Nicarágua, um valor de dezenas bilhões de dólares é algo absolutamente inatingível mas a ideia, lançada por Manágua, foi aceite de bom grado pelos parceiros chineses da companhia Nicaragua Canal Development Investment. As vantagens que o projeto irá proporcionar aos habitantes da Nicarágua são evidentes: a construção do canal gera dezenas de milhares de postos de trabalho e, numa perspetiva mais próxima, grandes lucros para o Estado. Manágua terá também dividendos políticos: as posições dos sandinistas no país serão mais sólidas e a influência da Aliança dos Povos da América Latina (ALBA) será mais ampla.
Quanto à China, ela continua a ampliar persistentemente a zona dos seus interesses econômicos. Na política, da mesma maneira que no xadrez, a luta pelas casas disputáveis do tabuleiro tem uma importância enorme. “A supremacia no espaço é a condição para a ulterior ofensiva”, – este postulado da estratégia do antigo jogo de xadrez foi citado pelo grande mestre internacional Alexei Kuzmin.
“O espaço e a comunicação – estes dois fatores completam-se mutuamente tanto na estratégia de xadrez como na geopolítica econômica. A vantagem no espaço permite transferir rapidamente as forças do um flanco para outro e o desenvolvimento das comunicações entre os flancos é um importante fator de novos ataques. Um grande mestre admite, às vezes, inclusive sacrifícios materiais a fim de ocupar as casas mais importantes do tabuleiro. A eficiência desta estratégia foi confirmada reiteradas vezes por vitórias dos virtuosos do jogo posicional – os campeões mundiais russos Anatoli Karpov e Vladimir Kramnik.”
A China leva a cabo já há vários anos uma política de ampliação do controle sobre as comunicações que ligam os dois oceanos. Há alguns anos, a gestão dos portos San Cristobal e Balboa do canal do Panamá foram entregues por um prazo de 25 anos a uma companhia de Hong Kong, que pertence a Li Ka Chen, um dos homens mais ricos da China. Nos planos do Império Celeste consta também a construção, juntamente com a Colômbia, de uma ferrovia que irá ligar os portos do Pacífico aos portos do mar das Caraíbas. E, eis, agora um novo projeto – o canal da Nicarágua. Pode-se afirmar que no setor centro-americano do tabuleiro mundial de xadrez a China joga no estilo de grandes mestres.
A construção do canal da Nicarágua afeta os interesses dos EUA. A nova artéria, que vai ligar os oceanos Atlântico e Pacífico, será uma alternativa ao canal do Panamá que esteve até 1999 sob o controle dos EUA. Mas a prática comprova que ocupar um espaço ainda não significa utilizá-lo com eficiência, – prossegue Alexei Kuzmin.
“A ocupação formal de novos segmentos do tabuleiro de xadrez nem sempre proporciona uma vantagem real e pode, inclusive, proporcionar um resultado negativo. Isto foi comprovado reiteradas vezes por Robert Fischer, campeão genial dos EUA. A sua estratégia predileta era o ataque contra o centro, ocupado pelos peões do adversário. A construção do canal na Nicarágua, – um país que leva a cabo uma política independente em relação aos EUA, – é mais um passo na renúncia por parte dos EUA ao controle econômico sobre os países da América Central. Não é de admirar, portanto, que os EUA tenham propagado já há vários anos a tese de que esta obra não teria “perspetivas econômicas”.”
40 bilhões de dólares é um valor muito significativo. É impossível imaginar que os “grandes mestres” da economia chinesa não fizessem uma análise cuidadosa da rentabilidade deste “projeto do século XXI” antes de se decidir por um lance estratégico tão caro. A existência de riscos econômicos é indubitável. Não se pode esquecer que o processo de modernização do canal do Panamá vai de vento em popa. Em poucas palavras, o duelo geopolítico entre o Império Celeste e os EUA está em pleno auge: a ofensiva da China contra os interesses econômicos de Washington na América Central continua.
FONTE: Voz da Rússia