Por Luis Barrucho
Eles moram e trabalham na nova Estação Antártica Comandante Ferraz desde sua reinauguração, em janeiro deste ano, após um incêndio que destruiu parcialmente a estrutura anterior e causou a morte de dois militares em 2012, e agora, por causa da pandemia de covid-19, também já não podem mais se encontrar com integrantes de outras bases, como a Estação Polonesa Henryk Arctowski, a mais próxima da brasileira, distante cerca de dez quilômetros. Visitas turísticas também foram vetadas.
A BBC News Brasil conversou por videochamada na semana passada com dois integrantes do grupo: o capitão de fragata Luciano de Assis Luiz, chefe da estação, e a capitão-tenente Letizia Aurilio Matos, médica. “Nosso contato com o mundo exterior é apenas por telefone ou videochamada. Mas, diferentemente de vocês, fomos preparados para esse isolamento”, resume Luciano.
Manter a rotina
A jornada dos 16 militares começou em 4 novembro do ano passado, quando desembarcaram na Península Keller, na ilha do Rei George, onde fica a estação brasileira, para a missão de passar 13 meses no continente gelado — ou seja, antes de o coronavírus se alastrar pelo mundo. Inicialmente, ocuparam o Módulo Antártico Emergencial (MAE), até a inauguração oficial da estação, em 15 de janeiro deste ano. Desde então, nenhum deles deixou a Antártida, até a primeira quinzena de dezembro, vão permanecer isolados do restante do mundo.
A troca das equipes é feita durante o verão, uma vez que as temperaturas mais amenas facilitam a logística. É também nessa época que a estação brasileira recebe pesquisadores, responsáveis por coordenar estudos de ponta. “O mais importante aqui é manter uma rotina. Um padrão de trabalho. Horário para acordar, horário para trabalhar, horário para fazer atividades físicas, horário para se integrar…”, diz Luciano. Ele conta que, a partir de março, com o fim do verão, os pesquisadores vão embora e os militares se dedicam, principalmente, a atividades relacionadas à manutenção da estação. “Temos que manter os geradores funcionando. Toda a parte de limpeza, geração de energia, tratamento de água. Também precisamos que verificar os módulos externos e os refúgios”, explica.
Essas incursões externas são sempre precedidas de uma análise de riscos, acrescenta o comandante. “Faço a análise de riscos no dia anterior. Avalio aspectos como temperatura, pressão e velocidade do vento. Por exemplo, quando a pressão está caindo, é sinal de que vai vir uma tempestade. Também checo as previsões nos sites meteorológicos”, enumera. “Já aconteceu três ou quatro vezes de pedir para a equipe retornar à estação. Dependendo do local, isso pode demorar de quatro a seis horas”, acrescenta.
O único caso de emergência aconteceu com uma alpinista brasileira durante o verão, lembra Letizia. “Ela caiu de uma altura de três metros. Fizemos toda a estabilização aqui no setor de saúde da estação. Entramos em contato com o hospital da Marinha no Rio de Janeiro, para consultar as condições clínicas da paciente, e fizemos a evacuação aeromédica. Machu Picchu (a base peruana) nos ajudou”, diz.
Desde então, acrescenta Letizia, “houve outros episódios, mas de menor complexidade. Os meninos pegam muito peso e, algumas vezes, têm dores articulares”, acrescenta.
O maior desafio, no entanto, ocorre agora durante o inverno, quando os mares em volta da estação congelam, as temperaturas caem para menos de -20° C e a escuridão impera, não há praticamente luz do sol. Só há duas estações polares: verão e inverno (cada um dura seis meses). Isso porque os polos recebem menos energia e calor do Sol, devido à inclinação e órbita da Terra.
Também durante o inverno, alimentos perecíveis e outros itens de necessidade são lançados pelos Hércules C-130 da Força Aérea Brasileira (FAB), uma vez que não é possível mais pousar na estação*, devido às baixas temperaturas. “São pacotes fechados que caem de paraquedas. Recebemos frutas, legumes, verduras, laticínios e ovos”, diz Luciano. A alimentação é completada por produtos congelados, estocados na estação.
Crescimento pessoal e profissional
Os militares destacam o crescimento “pessoal e profissional” que vêm tendo em meio à experiência de viver na Antártida. “Uma das coisas mais importantes aqui para mim é o crescimento pessoal. Aprendi a ouvir mais e a lidar melhor com as pessoas. Tenho que saber lidar entre ser militar e ser família. Não dá para ser militar 100% e não dá para ser família 100%. É preciso equilibrar”, diz Luciano. Letizia completa: “O engrandecimento profissional é maravilhoso. Não tenho nem palavras. Somos mais do que uma família. Temos afinidades e diferenças. Mas essas diferenças nos fortalecem e nos unem cada vez mais”.
Saudades
Além das saudades da família e dos amigos, os militares também dizem sentir falta tanto de alimentos quanto de cores, e até mesmo do barulho típico das zonas urbanas. “Parece besteira, mas sinto falta de verduras, frutas”, diz Luciano. “Sinto falta de cores no ambiente. Aqui é muita terra e neve. Também não tem barulho”, acrescenta Letizia.
Para Luciano, não existe “super-homem” na Antártida. “Sou mergulhador. Estava acostumado com o frio. Aqui o buraco é muito mais embaixo. Ou você sai equipado com luvas e protetor solar, ou vai acabar o dia com problema. Aqui não existe super-homem. É preciso estar consciente dos seus limites”, diz. Já Letizia diz que quando chegou e contemplou “toda a dimensão” do continente gelado, ficou “surpresa”. “Nada do que a gente vê pela TV se compara a estar aqui. O frio, as montanhas, a neve”, diz. “A fauna e a flora são muito ricas. Parece que não, pois tudo é preto e branco. Mas não se trata de um ambiente estéril. O que tem mais aqui é vida”, conclui Luciano.
Nova estação
A um custo de US$ 99,6 milhões (cerca de R$ 490 milhões em valores atuais), a nova estação é maior e mais moderna do que a anterior.
Dividida em três grandes blocos, possui 4,5 mil m² de área construída, 17 laboratórios e capacidade para até 64 pessoas. Também conta com biblioteca, uma academia e sala de vídeo/auditório.
A reinauguração deveria acontecer em 2016, mas, depois de seguidos atrasos no cronograma, as obras só começaram há três anos.
Segundo o governo, o objetivo é realizar pesquisas em áreas como oceanografia, biologia, glaciologia e meteorologia.
A Estação Antártica Comandante Ferraz foi instalada pela primeira vez ali em fevereiro de 1984.
FONTE: BBC
FOTOS: Ilustrativas
NOTA DO EDITOR: (*) O autor deve se referir ao pouso na Base chilena de Frei, tendo em vista que a EACF nunca possuiu uma pista de pouso para aeronaves de asa-fixa, apenas heliponto.
Acompanho vcs há muito tempo, mas como não sou expert no assunto procuro apenas aprender. Entretanto, como curioso que sou, tenho algumas considerações e perguntas a fazer. O Brasil já está instalado na Antárctica há muitos anos, ficando apenas em “disponibilidade” depois do incêndio ocorrido. Ao custo de R$ 490.000.000,00 reconstruiu-se a base. Nem falo aqui na sua manutenção mensal, que é uma verdeira fortuna. Se os senhores me perguntarem, ao longo de tantos anos o que de proveitoso exsurgiu do tal empreendimento científico, confesso que não sei dizer, porque nada nos foi passado a respeito. Considero esse gasto com a base, uma vultosa despesa inequivocamente desnecessária . Se vamos falar em petróleo, nem precisa. O nosso pré sal detém uma abundante reserva. Ademais, é defeso àqueles países que ali estão instalados qualquer prospecção e extração do óleo. Se apontarem pesquisas com animais e crustáceos, cairemos na mesma seara. Ou seja, ainda não observo a contra prestação do empreendimento. Nossa esquadra é pequena, navios velhos e desdentados. E ainda, para não alongar, façam um estudo se tal recurso não deveria ser direcionado à nossa defesa naval, esta sim, inteiramente deficiente de meios de combate. Imaginem os senhores serem detentores de todo o conhecimento científico naquele polo, mas, em contrapartida, não possuirmos uma força naval de respeito. Estamos então, fazendo o que ali ?
Guilardo,
Entendemos a sua preocupação, mas também precisamos investir em C&T.
Ao contrário do que escreveu o custo da EACF é quase 5x menor (R$ 110 milhões).
Quanto às pesquisas, estão sendo desenvolvidas muitas que visam benefícios para diversas áreas, tais como a medicina (formulação de medicamentos), na agricultura (desenvolvimento de novos pesticidas e herbicidas), na indústria (fabricação de produtos por exemplo os anticongelantes e protetores solares).
Tem também o Criosfera 1 (a 600Km do Polo Sul) que estuda as interações entre as massas de ar antárticas, adquirindo conhecimento sobre as frentes frias que afetam a produção agrícola aqui no Brasil.
Esse projeto ainda contribui para entender o papel do Oceano Austral nos fluxos de calor no equilíbrio de água doce do planeta, avaliar a estabilidade da circulação do Oceano Austral, o papel do oceano na estabilidade do manto de gelo antártico e sua contribuição para o aumento do nível do mar e muitos outros.
As informações sobre as pesquisas são divulgadas por vários órgãos e estão disponibilizadas para quem quiser acessar.
Espero ter contribuído para mostrar um pouco da importância das pesquisas na Antártica é a necessidade que temos de investir em Ciência e tecnologia!
Abs,
Padilha, tem como mapear todas as bases que se encontram na Antártica para noção de sua distribuição? Sucesso ao DAN.
este link do wikipedia e’ bem completo:
https://en.wikipedia.org/wiki/Research_stations_in_Antarctica